/A Presença Do Analista – Sinopse da Conferência de Jorge Forbes

Conferência de inauguração do website do Instituto da Psicanálise Lacaniana*

26 de outubro de 2005

Um psicanalista não se ausenta. Para o analisando, o psicanalista assume o lugar do imprevisto, sempre presente, que Lacan chamou de Real. Não é a realidade, previsível, esperada, de perguntas e respostas programadas, que podem nos satisfazer ou não, mas que já conhecemos, e de juízos comuns, um certo e errado/bom e mal pré-determinados. O Real não se ausenta. Ele está sempre lá porque ele é a falha da realidade. Ele aparece como angústia, que não é a simples insatisfação com a ausência de algo; e aparece no amor – materiais da psicanálise.

Jorge Forbes mostra a presença do analista em relatos de dois casos, um de Freud e outro de Lacan.

Sigmund Freud 

Nos anos 20, Abram Kardiner procura Sigmund Freud para uma análise, justamente quando o psicanalista saía em viagem com a família. Freud pede a Kardiner que o encontre imediatamente em seu retorno. O local: a estação de trem. Kardiner chega de Nova Iorque, onde morava, para sua primeira entrevista clínica com um Sigmund Freud que desembarcava em Viena em companhia da mulher, da cunhada, da filha … . O analista vê Kardiner, apresenta-lhe a família e agenda um segundo encontro para o dia seguinte, às 15h, em seu consultório.

Lá, para sessão exatamente no mesmo horário, havia mais cinco pessoas. Freud os chama e diz que não teria condições de atendê-los todos seis vezes por semana, como se fazia na psicanálise da época. Mais 36 horas de trabalho semanais não lhe seriam possíveis, só 30, porque – disse – sua família havia lhe pedido mais sua companhia. Freud sugere que um deles, quem quisesse, fosse analisar-se com um dos seguidores da psicanálise que ele indicaria. Ninguém quis. Freud remarca uma reunião dos seis no dia seguinte, mesmo horário, aguardando uma resolução.

No retorno dos seis, relata Kardiner, ninguém havia cedido. Todos mantinham a expectativa de continuar com Freud que, ele sim, trazia, então, uma proposta. Disse que sua filha resolvera com matemática o problema dos atendimentos: bastava fazer cinco sessões semanais para cada um, ao invés de seis, e todos poderiam se analisar com ele.

Assim, pelo menos previsível dos motivos, da menos previsível maneira, iniciou-se a análise de Abram Kardiner que, com mais cinco analisandos, inauguraram a clínica freudiana de cinco sessões por semana. Para ele, Kardiner, esta análise teve início em plena estação de trem de Viena.

Real desbussolado

Freud sustentava o inusitado da psicanálise. Seu critério na condução dos tratamentos não era o padrão, mas a descoberta: era preciso que ela acontecesse e, para isso, era preciso dispensar o já esperado.

Jorge Forbes diz ser pouco compreensível como, tão poucos anos após Freud, muitos de seus seguidores já não sustentassem a presença psicanalítica, apoiando a clínica, em muitos aspectos, na previsibilidade: o tempo rígido de sessão marcado por um relógio que deveria estar, de preferência, à vista do paciente; o divã próximo e voltado para a porta, permitindo que o paciente pudesse sair sem sequer olhar para o analista, “para não se sentir invadido após dizer sua intimidade”; duas portas no consultório, uma de entrada e outra de saída dos pacientes, para que eles jamais se encontrassem. Quando Jorge Forbes procurou formação analítica, no Brasil, relata que até mesmo recomendações quanto ao tom e às palavras do analista eram feitas. O imponderável foi sendo subtraído da sessão, como se os clínicos já soubessem o que procurar no paciente e a descoberta já tivesse sido feita, bastando reafirmá-la a cada caso.

A previsibilidade no tratamento analítico pode ter por conseqüência, porém, a idéia de que um paciente não traz novidade, dificultando que ele a traga. Resulta em uma clínica que despreza a singularidade do analisando.

O tratamento previsível dispensa o analista de ocupar o lugar Real, e convocar a singularidade no outro. O tratamento se torna “normal” e deixa o Real, que está inevitavelmente presente, à parte, desarticulado. Por isso, uma clínica normalizadora, sem a presença do analista como Real – como propôs Lacan – deixa o Real desbussolado.

Jacques Lacan

Em 1931, Jacques Lacan procura Salvador Dalí para uma entrevista. O jovem psiquiatra de 30 anos de idade escrevia seu doutoramento sobre paranóia, e o pintor, então com 26 anos e já conhecido, defendia, contrariando muitos psiquiatras de seu tempo, que a paranóia era uma atividade criativa. O relato desse encontro está na autobiografia de Salvador Dalí.

Foi diante da admiração de Lacan que Dalí se entusiasmou em recebê-lo em sua casa para ser entrevistado. Ouvira que Lacan era brilhante, polêmico, e teve a mesma impressão ao falar com ele, considerando que Lacan estava tão interessado em sua obra.

Antes da hora combinada com Lacan, Dalí trabalhava em uma pintura sobre a mesa. Ele conta que a luz refletia na tinta, vindo contra seus olhos, e que, para poder continuar, recortou um papelzinho em forma de ferradura e apoiou no nariz, protegendo a vista. Lá deixou o pedaço de papel.

Quando Lacan entrou, diz Dalí, era um rapaz de boa figura, educado, que mostrou inteligência pelas perguntas que, delicadamente, fazia. Entrevistou-lhe por duas horas, olhando Dalí com interesse, agradeceu e saiu.

Dalí retornou ao trabalho: foi buscar os pincéis e, só então, viu-se diante do espelho. Esquecera o papelzinho no nariz ao longo de toda a entrevista e Lacan não lhe deu absolutamente nenhum sinal do que via…

A presença do desejo

O jovem Jacques Lacan, comenta Jorge Forbes, não fez o cômodo e óbvio comentário: “olha, sr. Dalí, tem um papel no seu nariz”, “o sr. se esqueceu de tirar…”, com seria convencional. Seria regrar o encontro, submeter o outro ao esperado, torná-lo normal, na satisfação de ser o normal que nota o outro. Lacan também não quis se fazer notar por conta do que viu, e não perguntou, como um pesquisador curioso: “por que o sr. usa esse papelzinho…?”.

O silêncio de Lacan a respeito do papel que estava no nariz de Salvador Dalí pôs em destaque o desejo de Dalí, que naquilo se viu, a ponto de tornar o fato biografia.

Assim é a presença do analista, diz Jorge Forbes. Ela põe em evidência o desejo e a singularidade da pessoa, na confiança – psicanalítica – de que o desejo, como o Real, está sempre lá e pode ser considerado. O desejo não se ausenta.

A Invenção do Futuro

Por isso, diz Jorge Forbes, um analista leva o seu analisando a constatar que o desejo pode ser sustentado, e mais que isso: para quem sustenta o desejo, o futuro não é uma projeção do presente mas, ao contrário, o futuro é uma invenção do presente.

O futuro é mera projeção do presente se for normal – e não desejado. Isto porque o desejo é sempre singular, escapa à regra, e então causa alguma novidade. Quem descobre a presença do desejo inventa o seu futuro.

Na mesma semana da inauguração do site do Instituto da Psicanálise Lacaniana, quando dessa conferência, Jorge Forbes foi entrevistado por uma revista para falar das proposições que as pessoas se fazem no Ano Novo. A virada do ano é muitas vezes um momento de confronto, em que as pessoas se perguntam o que querem viver de agora em diante. Jorge Forbes propôs a quem gosta de promessas de Ano Novo que faça a experiência: escreva vinte desejos impossíveis, radicalmente impossíveis, na virada. Dizem que essas promessas costumam ser abandonadas em pouco mais de 15 dias, mas ele indica que não: diz a quem escreveu os vinte desejos impossíveis que, em 30 dias, escolha ao menos 3 deles e procure defender como eles já estão se realizando, ainda que metaforicamente. Quem queria ser bailarino profissional pode provar que descobriu como conduzir como dança clássica um trabalho. Quem queria viajar o mundo pode provar que descobriu a internet… os exemplos são irrestritos.

Nessa prova, Jorge Forbes diz, é que o desejo se desloca: se este está realizado, o que desejar então? A invenção recomeça. Conclui: o analista, como o Ano Novo, com a sua presença, prova a invenção do futuro.

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*Sinopse de Andréa Naccache

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