/A Rádio Lacaniana entrevista o Ministro Gilberto Gil

O Ministro Gilberto Gil, em entrevista exclusiva à Rádio Lacaniana, lembra aos psicanalistas que o Brasil é um corpo de quatro cabeças.

Gilberto Gil, Ministro da Cultura do Brasil e músico consagrado com vários Prêmios Grammy, inclusive o deste ano, concedeu uma entrevista exclusiva à Rádio Lacaniana, em plena segunda-feira de carnaval, no seu camarote – Expresso 2222. O Ministro discorreu sobre a relação Psicanálise e Brasil, seu conhecimento de Lacan, os laços sociais dos mercados comuns, a existência de Deus e os projetos futuros da cultura, com o fundo musical dos trios elétricos baianos. Você pode ler e ouvir essa entrevista.

RL: – Ministro Gilberto Gil: fazer a cabeça no divã ou no santo?
Gil: – Eu, nem uma coisa nem outra, propriamente. Eu, durante muito tempo investi um pouco na ioga, na macrobiótica, na alimentação, na meditação, na introspecção, na “coisa do deixar sangrar” um pouco; sofrer minhas próprias dores, tentar estabelecer diálogo com elas, eu mesmo, para que elas próprias me dissessem alguma coisa. Nunca fui muito de pedir socorro, porque eu tenho muita dificuldade com o sofrimento físico, mas gosto do enfrentamento do sofrimento espiritual. Por isso nunca procurei fazer psicanálise.

RL: – O que te diz Lacan?
Gil: – Lacan, eu ouço falar, li coisas dele, acho bacana. Mas acho Freud também maravilhoso. Gosto de Jung também, que é uma coisa mais parecida com o oriente e tal, o inconsciente coletivo, uma coisa que “casa” muito com o humanismo idealista, que é uma corrente interessante, sobre algo que atribui à consciência uma consciência geral, o fornecimento do combustível para o funcionamento do universo, inclusive da vida e da vida humana. Eu acho que todos eles têm um pouco disso e o Jung tem muito disso.

RL: – É ministro, uma hora; é cantor, na outra; como você vê essa divisão? Ou essa divisão “já era” no mundo pós-moderno?
Gil: – Eu não vejo muito essa divisão, a não ser nos aspectos formais da atividade de Ministro. O fato de representar a palavra do Estado, a palavra pública, você tem uma compenetração mínima, que desemboca numa certa formalidade, no exercício da função de Ministro. Do ponto de vista existencial, para mim as duas coisas são vida, são planos de vivência, acho que é tudo a mesma coisa. (Risos)

RL: – Você acredita em Deus? Qual?
Gil: – Olha, eu já acreditei, já desacreditei, e hoje em dia eu fico calado.

RL: – “Zigmunt Bauman”, em seu último livro, põe a Europa (é o nome do livro) como esperança do mundo; De Masi tinha pensado ser o Brasil; do seu ponto de vista quem vai dar a régua e o compasso?
Gil: – Ouvi falar desse livro, mas não li. Mas acho interessante você colocar essas duas manifestações, especialmente a desse escritor. Porque, de uns cinco anos para cá, especialmente com possibilidade da implantação da União Européia, com a moeda única e com a idéia de uma constituição, eu achei que a Europa se deslocava para uma posição de vanguarda de novo, e ainda acho que em determinados sentidos esses feitos europeus são instrutivos, são pedagógicos; fazem parte de uma possibilidade de um novo programa para o mundo. Você vê que a América do Sul já está pensando, o Presidente Lula vem falando na União Sul-Americana, a África já fez a União Africana. São novos modelos e nesse sentido eu acho que a Europa se coloca como possibilidade de uma nova vanguarda. E o Brasil, eu sempre achei que o Brasil é uma novidade, é o fiel de balança entre todas essas disputas culturais, religiosas, políticas, econômicas e tal, do mundo pós-moderno. E você usou bem a expressão – acho que ambas, tanto a iniciativa européia quanto o processo brasileiro são pós-modernos, são para um tempo fragmentário, como possibilidade de argamassa para um tempo fragmentário que está aí, que está posto, exatamente, no que muitos chamam de pós-modernidade.

RL: – Se Lula se reelege, Gil prossegue?
Gil: – Não sei, tenho muitas dúvidas, tem muita coisa… Ainda há pouco conversava com meu colega Furlan (Luiz Fernando Furlan, Ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio), aqui, sobre isso, essa coisa de prosseguir e os compromissos e deveres que temos também com o prosseguir nosso, particular, que deixamos um pouco de lado nesses três anos, então é uma dúvida ainda…. Eu realmente só vou poder dizer, meu coração só vai poder dizer: vai ser tal caminho, quando a coisa tiver posta como possibilidade real, isto é, caso o Presidente Lula se reeleja, ou caso algum outro venha a se eleger, e não ele, e tivesse a idéia de me pedir que ficasse no Ministério….

RL: – Para nós foi muito bom você ter ficado no governo até agora.
Gil: – Eu, também acho, para mim foi muito bom ter ficado até agora e quero ficar até o final. Não vejo nenhum problema maior no horizonte para que isso se dê. Meu diálogo com o Presidente foi e é ainda muito bom, e com o resto do governo todo também, com a sociedade; minha intenção é mesmo ficar até o fim. E aí, prosseguir, aí, vamos ver…

RL: – Você acha que os psicanalistas podem ajudar o Brasil ? E como seria?
Gil: – Exercendo a profissão deles da melhor forma possível. Tentando incorporar ao repertório psicanalítico, interpretativo, dos seres, das psiques individuais e da psique social, da psique pública, tentando incorporar a isso contribuições importantes que o Brasil tem: o candomblé, o carnaval, a extraordinária capacidade de celebrar, enfim a propensão a diminuir na vida real as tensões provocadas pelo que quer que seja, pela política, pela distribuição de renda, pela repartição do poder. Por tudo isso, acho que o Brasil tem exercícios extraordinários de renovação, da maneira de encarar essas questões. E eu acho que isso tudo, muitos setores da psicanálise já incorporam tudo isso, eu acho que mais ainda, mais incorporação ainda nesse sentido; o Brasil é muito rico, tem uma psique muito rica. É como Jorge Mautner diz: o Brasil tem pelo menos quatro cabeças!

RL: – Você falou no carnaval, no candomblé. A Psicanálise propõe um novo laço social, uma nova forma de trabalhar a singularidade. Jorge Forbes trabalha essas questões em seu livro “Você quer o que deseja?” Você já leu esse livro?
Gil: – É isso, a singularidade. Já ouvi sim falar do livro, mas ainda não o li.

RL: – Por que você não convoca uma discussão sobre o Brasil, no mundo pós-moderno? Será que não temos a oferecer um novo laço social? Muitos pensam que sim.
Gil: – Pontualmente a gente tem feito isso. Com essa série de discussões que fizemos o ano passado sobre “O silêncio dos intelectuais”; agora estamos fazendo sobre “O papel da política na vida das pessoas”. São Fóruns com produção de papéis, de ensaios e depois com reuniões de discussão sobre essas questões todas e era bom que, por exemplo, o mundo psicanalítico propusesse uma coisa desse tipo ao Ministério da Cultura. O Ministério da Cultura teria muito prazer em apoiar, em participar.

RL: – Nós já temos um projeto nesse sentido.
Gil: – Então pronto. Tragam seus projetos para o Ministério. É uma área importantíssima da Cultura. Se vocês pretendem a aproximação do Ministério da Cultura nesse processo, para nós é muito interessante; gostaríamos muito de estar próximos da forma mais adequada.

RL: – Então temos que continuar essa conversa um outro dia.
Gil: – Vamos, vamos sim.

Teresa Genesini