/Há Via

por Jorge Forbes

Discutamos por quantas vias se dirige uma análise.
Por três, as mesmas que estruturam o discurso analítico: imaginária, simbólica e real.
No caminho imaginário, o analista é um igual (a – a’), parceiro e confidente, o que entende, compreende, que é companheiro.
No caminho simbólico, entre a anterior parceria dos iguais se intermedia uma Outra cena (A – S), a descrita por Freud, que, conceituada por Lacan, diz do lugar onde a pessoa é sujeito estruturado por uma linguagem que o ultrapassa.
A via Real é a que questiona a ausentificação promovida pelo significante. Um significante ao se instalar ausentifica o que ali havia. A via real é a via da presença, que se recusa ser outra, que impossibilita ser escrita.

O que excede as dimensões das articulações significantes senão a morte?

A morte é o que excede as dimensões da vida. A morte é um excesso. A morte não está no além, está no mais além das dimensões da vida. A neurose, em seu reiterado recurso à dúvida faz compromissos de postergação. O poeta, pelo contrário, em contra-senso diz: não temos tempo de temer a morte.
Para ambos, neurótico e poeta, a morte é questão de tempo. No primeiro, a postergação metonímica se baseia numa providência sempre esperada, nunca alcançada, a não ser em sintoma. Para o segundo, o futuro é como em Freud – ilusão – o trato é com a não providência, o tratamento é ato. Todos os dias são sábado, sempre às véspera dos domingos que não se realizam. Não há o dia do descanso para contemplar a criação. A própria criação é descanso, pois o dia é hoje, porque hoje é sábado.
A posição do analista providencial é correlativa da idéia do Deus provedor, que zela por sua criatura. Esta se propõe ser o desejo do desejo do Outro, o desejo do Outro teria o nome que a essa só faltaria descobrir como seu, como próprio.
Mas se o nome próprio é nome sem referência, resta um nome em contínua atualização para dizer do que havia.
A providência marca a via do simbólico em uma análise. Chamemo-la de recíproca, do que numa análise se pode ter como reciprocidade.

A reciprocidade é problemática. Em lógica, é da ordem do possível ou do contingente. Na reciprocidade se discute a possibilidade. E como do recíproco, de dois, nunca se faz um, na reciprocidade a solução é o eterno problema. O eterno problema é o que Sócrates pensou, que pela dialética, pelo trabalho das idéias, pela via do simbólico, chegar-se-ia ao fim último e verdadeiro. Assim também pensa o paciente. Pensa que havia um real e que esse deve ser resgatado; um real de sua verdade plena, o paciente o procura.

Mas houve Parmênides; ouçamo-lo em um pequeno trecho de sua resposta ao jovem Sócrates: “Se o um não existe, as outras coisas não podem ser concebidas como uma, porque não há unidade, nem como várias, porque, sem unidade, não pode haver pluralidade. Também não podem ser semelhantes nem dissemelhantes; nem idênticas, nem diferentes; não podem estar em contato, nem separadas, nem em movimento, nem em repouso, etc. Em suma: se o um não existe, nada mais existe”.1

Dois séculos depois, Lacan: “Há o um”. E ainda: “O Ding, a coisa, é o elemento que na origem é isolado pelo sujeito, na sua experiência do próximo, do íntimo, como sendo de sua natureza estrangeiro”.2

Por aí, a via do Real, que nos faz questão: o que é isso de tão íntima extimidade? Da extimidade, da exterioridade íntima, decorre a não-reciprocidade em psicanálise. A não-reciprocidade não deve ser entendida imaginariamente, como estupidez, distância, empáfia ou grossura. A não reciprocidade é um fato de estrutura. Para evidenciá-la, Lacan não se vale da dialética, mas da lógica: “ é aí que o real se distingue. O real só poderia se inscrever por um impasse da formalização. Aí é que eu acreditei poder desenhar seu modelo através da formalização, matemática, no que ela é a elaboração mais avançada que nos tem sido dado produzir da significância”.3

A direção de uma análise na via do real verifica “a afinidade do a com seu envelope sendo uma das articulações maiores que foram adiantadas pela psicanálise. É para nós o ponto de suspeição que ela introduz essencialmente”.4

Se neste percurso já sustentamos que o caminho analítico vai da providência à não providência, da reciprocidade à não-reciprocidade, acrescentaríamos do possível ao impossível.
Nem tudo numa análise é possível. A cura dos problemas não, por sua vez, é problemática. À diferença das modalidades problemáticas tempos as modalidades apodíticas. Isso quer dizer: as da ordem do necessário e do impossível.
O analista é aquele “que ao colocar o objeto a no lugar do semblante, está na posição mais conveniente para fazer o que é justo fazer, a saber, interrogar como do saber o que há de verdade”.5
Por essa via, a via do Real, impossível de se escrever, que não cessa de não se escrever, chega-se a uma fórmula apodítica de Lacan, expressão da modalidade do impossível: não há relação sexual.

Assim, conclui-se que o máximo de formalização fracassa, que na completude, Gödel vai mostrar a incompletude. Que o tempo do um não é o amanhã. Que o dia é hoje; é o deixar cair, é a mudança do procurar para o se achar, num reencontro sempre em aberto, parente da sublimação, realizado, se insistirmos em reciprocidade, um a um.

(texto de 1987)