/O Ridículo do Amor

Jorge Forbes

Artigo publicado na revista WELCOME Congonhas, junho de 2007 – ano 1 – número 3

Os apelidos íntimos, os bilhetes acariciadores, não são para ninguém ver.

Ron, um grande amigo, arquiteto e americano, me surpreendeu com uma pergunta logo no início do jantar de sua chegada, em nosso restaurante habitual. Ele queria saber por que nos sentimos uma criança quando somos tocados afetivamente por uma pessoa; como é que eu, psicanalista, nomearia isso? De bate pronto, talvez para me desembaraçar da incômoda questão, respondi-lhe com Cole Porter: – “What is this thing called love?” (O que é essa coisa chamada amor?). Sua cara me anunciou que eu não o tinha convencido minimamente. Respirei fundo e me disse: «- Ok, vamos lá».

Fui, então, de Cole Porter a Michel Leiris. “– Você o leu?”, perguntei a Ron, retomando do livro Biffures (Rabiscos), no primeiro capítulo, o momento em que o menino, tendo acabado de recuperar seu soldadinho que tinha caído no chão, grita sorridente ao verificar que ele estava intacto: “Lizmente!”. Um adulto ao seu lado lhe corrige incontinenti: « Felizmente ». Pobre! Essa língua de todo mundo faz com que ele saia abruptamente da infância – o que quer dizer literalmente “não fala” – para entrar na palavra correta que retifica a sua palavra original de satisfação: «Lizmente».
Este é o motivo que nos faz sentir crianças quando amamos. O amor é produto de um ‘tiquê’, como dizia Sócrates, de um encontro que nos tira do ‘automaton’ da rotina e para o qual não temos categoria adequada para ajeitar. O amor é sempre inadequado e bagunceiro – surpreendente – sem gaveta ou fichário para ser enquadrado. Para expressá-lo, pede palavras únicas e não batidas, amassadas ou burocráticas. Vi um namorado cumprimentar sua namorada, no dia do aniversário dela, mandando um e-mail pelo seu “natalício”; estragou a festa, recebeu como resposta uma merecida deletada.

É esse exigente uso de palavras únicas, fora da civilização, que nos dá impressão de estarmos regredindo ao estágio de criança. Confundimos infância (não ter palavra adequada) com criança (aquela que é criada pelo outro). Quando amamos, ficamos infantilizados, sim; inseguros, sim, mas em nada criança. A capacidade de amar é diretamente proporcional à possibilidade de suportar a surpresa do encontro inominável, pelo que foi dito aqui, infantil. Nada, nada simples, uma vez que abala diretamente os pilares da nossa identidade.

As palavras afetivas, os apelidos íntimos, os bilhetes acariciadores, não são para ninguém ver, fora da dupla amorosa, que os guarda em caixinhas mais ou menos seguras. Às vezes até mesmo os parceiros podem ficar envergonhados na manhã do dia seguinte, ou depois do amor passar. Álvaro de Campos, em Fernando Pessoa, tinha razão: todas as cartas de amor são ridículas, mas ridículos mesmo são os que nunca escreveram uma carta de amor. Finalmente, Ron se convenceu – e eu também.