/Provocações Psicanalíticas II

AULA INAUGURAL DO CORPO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE 2009, DO IPLA, POR JORGE FORBES – 9 FEVEREIRO 2009

Jorge Forbes iniciou a aula inaugural do Corpo de Formação em Psicanálise do IPLA, deste ano, dizendo do interesse, em psicanálise, do impacto, aquele que nos tira da inércia em que estamos acostumados a pensar.  Dialogando com Jacques-Alain Miller, através do curso Choses de Finesse (2008/2009), falou da nossa clínica de 2009, usando frases que provocaram os presentes.

Segue uma seleção de suas frases aforismáticas:

  • A psicanálise está sempre sendo varrida do mundo. Freud sabia disso. Não basta trabalhar com a psicanálise, para ser psicanalista.
  • Estamos acostumados a pensar que o analista interpreta, compreende e dá sentido. O analista-2009 não faz nada disso.
  • A segunda clínica de Lacan não é a psicanálise da interpretação. Não é a psicanálise do inconsciente simbólico. É a psicanálise do inconsciente real. Existe uma diferença entre inconsciente transferencial e inconsciente real.
  • A clínica muda: Na Primeira clínica a pergunta é: ‘O que isso quer dizer?’; na Segunda clínica a pergunta é: ‘O que isso quer gozar?’ (JAM).
  • Há que se achar como a pessoa goza nisso. Ela só muda de posição a partir da responsabilidade frente a esse gozo.
  • A psicanálise não trabalha com casuística. Freud revolucionou o estudo da psicose com um só caso – o caso Schreber – que não foi caso, foi um livro de alguém que ele, Freud, nunca viu.
  • Nós esperamos que o outro nos compreenda. O analista não compreende e não tem compaixão. A compaixão não é um afeto para um psicanalista.
  • O analista tem horror do seu ato. Ele suporta esse horror se e somente se tiver levado sua análise até o ponto em que sua ação não depende da aceitação do discurso do Outro. O discurso do Outro é moralista, pede compaixão e resignação.
  • O maior discurso do Outro – que religa todos os humanos – chamado religião, é onde a compaixão, evidentemente, é mais enaltecida.
  • “A posição do analista é de desapego”(JAM). Desapego não quer dizer indiferença, nem quer dizer menosprezo. É uma posição necessária e arriscada. A pessoa só consegue essa posição na sua análise e em nenhum outro lugar, no momento em que desiste de achar que a vida tem garantia. Toda análise chega a esse ponto, se for uma análise… .
  • Existe uma desistência do sujeito dividido na garantia da expectativa do Outro. Um belo dia o analisando percebe que ele não pode mais orientar sua vida por esse Outro, por uma simples razão: porque esse Outro não existe.
  • É isso que o analista leva para o atendimento de uma outra pessoa: um trabalho que fez da sua angústia e que possibilita ao outro viajar por um território além das suas identificações que o protegem … mas que lhe pesam.
  • Cada neurótico, psicótico ou perverso, carrega um fardo de identificações. A vida fica pesada; ele leva uma bagagem complicada.
  • A psicanálise e o termo progresso não são tão amigos. Porque a psicanálise não cansa de revelar o mesmo. Ela sempre revela a mesma coisa: não existe relação sexual.
  • A psicanálise se transmite mais pelo ressoar do que pelo raciocinar.
  • Os meninos dizem: ‘Tá ligado?’. Isso não tem a ver com o raciocinar, mas sim com o ressoar. Eles descobriram uma forma de estarem juntos sem se compreender. E como nós estamos vivendo uma segunda clínica, onde o objetivo não é se compreender, mas a responsabilidade frente ao gozo, eles mostram que as pessoas podem ‘estar ligadas’ sem se compreenderem.
  • O gênero humano se liga independente da compreensão. Quem se liga pela compreensão é formiga, vaca,… .
  • “Nenhum conceito na psicanálise é fixo. Essa é a posição da orientação lacaniana.” (JAM).
  • Além do silêncio só João (da música PRA NINGUÉM, de Caetano Veloso). Dou o exemplo de João Gilberto como alguém fundamental. Porque ele canta sempre as mesmas músicas e ninguém se cansa, porque nunca é a mesma coisa. Nunca é o mesmo CHEGA DE SAUDADE. A gente vê o esforço desse homem de fazer ressoar. Um esforço brutal. Vejam as caretas que ele faz para achar o tom. Ouvir João Gilberto é ouvir o silêncio.
  • Não busquemos como nos congressos científicos, o que tem de novo, no sentido da novidade, mas como é que podemos cantar a mesma coisa de uma forma que impacte, porque, do contrário, a psicanálise perde a sua virulência.
  • Quando vocês ouvirem algum lacaniano falar algo que vocês não entendem, afastem-se. É perigoso! A dificuldade da fala de Lacan nos últimos anos não justifica papagaios ou pingüins (depende do hemisfério) de ocasião. É melhor, aí, ser freudiano. Freud dizia: _ ‘quando eu falar alguma coisa que você não compreender é poque eu não sei o que estou dizendo’.
  • “Choses de Finesse” (JAM) quer dizer sutilezas, o que está fora da regra. A idéia é: recuperemos o que tem de finesse em psicanálise e não o que tem de regra.
  • “A segunda clínica invalida, ridiculariza a idéia de cura” (JAM). Ela relativiza o efeito terapêutico. Cura é um pacto social. A psicanálise trabalha com o incurável do homem, que é a não relação sexual. Isso não se cura.
  • “A nova clínica psicanalítica é a teoria do incurável” (JAM). Nós precisamos da teoria do incurável porque para tratar a ‘besta’ nós temos que saber nomeá-la.
  • Curiosamente, é através da cura pela palavra que você chega ao não falável, à Alecta.
  • O grande problema do analisando é quando ele chega perto do final de análise, porque enquanto está em análise, ainda há esperança.
  • Uma análise além da estrutura é uma análise de contingência. É uma análise do imediato. É uma análise do tempo de ver (JAM).
  • Contingência não é qualquer coisa; é a estrutura do um. E esse um vai se chamar sintoma – no último ensino de Jacques Lacan.
  • Desejo do analista é diferente do desejo de ser analista (JAM).
  • O desejo do analista não é da ordem do fazer. É essencialmente a suspensão de toda demanda de parte do analista, da demanda de ser. O desejo do analista não tem nada a ver com você ficar conforme. O desejo do analista não é desejo de cura (JAM).
  • A pior pecha para o analista é o bom senso. Nunca tratem ninguém pelo bom senso. O bom senso é identificação. É dividir a sua alienação, a sua idiotia. O bom senso é idiota e por isso todo mundo compreende.
  • Se alguém quer ser bem compreendido, abandone a psicanálise já. A psicanálise é o reino do mal-entendido e não do bem-entendido. Jamais superaremos o mal-entendido.
  • A psicanálise vai para a imanência e não para a transcendência (JAM).
  • O desejo do analista é fazer você singular, que você seja capaz de discernir aquilo que faz a sua diferença. Achar a sua singularidade e responsabilizar-se por ela. Isso só se obtem por uma redução das identificações, por uma precipitação, destacando aquilo que sempre se repete. Aquilo que não tem nome nem nunca terá sempre se repete no mesmo lugar. Fato que faz com que Jacques Lacan diga que o real é aquilo que volta sempre ao mesmo lugar.
  • A gente é psicanalista porque não sabe ser outra coisa na vida.

(sinopse de Teresa Genesini)