/Café Filosófico: Responsabilidade Sem Culpa, Culpa Sem Responsabilidade na Sociedade Tecnológica

Tercio Sampaio Ferraz Junior – Espaço Cultural CPFL – TV Cultura, 20 de abril de 2007

Segunda reunião do módulo Como agir no Princípio Responsabilidade – fundamento da ética do desejo, sob a curadoria de Jorge Forbes.

Responsabilidade sem culpa, culpa sem responsabilidade – foi o tema da conferência de Tercio Sampaio Ferraz Junior, na sexta-feira, 20 de abril no Café Filosófico do Espaço Cultural CPFL, em Campinas. Jorge Forbes iniciou a reunião lembrando os assassinatos inusitados da Universidade de Virgínia, USA, ocorridos nessa semana e a audiência pública no STF sobre a constitucionalidade das pesquisas com células-tronco embrionárias, nesse dia. São situações que colocam a questão do direito e da responsabilidade em cheque. Com isso, passa a palavra ao jurista.

Tercio Ferraz partiu da origem latina da palavra responsabilidade, que junta o verbo responder, o repetir, com aspergir, aspergir de novo, o que cria o vínculo. Esse vínculo, entre eu e tu, como diz Martin Buber, não existe mais numa sociedade pan-tecnológica. A natureza mudou, foi manipulada pelo homem; ela – que nos dava os parâmetros – foi substituída pela tecnologia. Não se trata mais da responsabilidade frente à natureza, como trabalhada por Hans Jonas. O homem modifica a natureza, inclusive a sua, por meio da técnica, de maneira quase ilimitada, o que alterou nosso conceito de natureza. Desligar os tubos de uma pessoa doente é questão da natureza manipulada. O Professor Tércio também se refere à responsabilidade coletiva, que é do Estado. Por vezes sentimos culpa, mas não responsabilidade, porque falta o outro. No mundo da Internet não existe mais o outro, ele se diluiu e não haveria por quem se responsabilizar. É a cacofonia da Internet.

Quem é o ser humano hoje? Não se percebe mais se nossa natureza está ou não sendo agredida. Tércio Ferraz discute sobre a responsabilidade e a sutileza da agressão. Diz da liberdade como uma temática da responsabilidade. Confronta a liberdade de fumar de um e o direito à saúde do outro que está próximo. Por exemplo, os restaurantes têm área de fumantes, mas e o garçom que é obrigado a aspirar fumaça? Assim, neste mundo pan-técnico o outro aparece, nem que seja na forma de um garçom. Por que não se proíbem os carros?

A noção de responsabilidade sempre foi ligada à noção de imputação, que é imputação a um sujeito. Como fica, se fomos reduzidos a um isso? A noção de responsabilidade foi para o espaço, diz o jurista. Não há como identificar os sujeitos responsáveis. Quem é o sujeito? Sumiu. Esta é uma característica da sociedade pan-técnica. Quem é o dono da Petrobrás? A União Federal. Mas, quem é a UF?

Hoje temos a substituição da responsabilidade instancial – aquela que presumia o outro – pela responsabilidade situacional – uma responsabilidade sem nenhuma instância. Isso leva aos contratos responsivos, nos quais não há reciprocidade. Como serão o Direito e a moral, nesse futuro, lidando com esse tipo de responsabilidade? Tercio deixa essa pergunta, dizendo-se incapaz de fazer alguma previsão.

Jorge Forbes, comentando a fala de Tercio Ferraz, diz que se entrarmos numa sociedade de controle obsessivo estaremos recriando uma sociedade obsessiva. Que é preciso repensar o papel da técnica, aproveitá-la para dobrá-la, para criar ali uma responsabilidade.

Para a psicanálise não é tão estranha a queda do eu e do tu, como acontece na Internet. Aliás, é a base da psicanálise e o silêncio do analista não tem a ver com boca fechada, ressalta Forbes. Onde você vai encontrar a contraparte do contrato, depara-se com uma pergunta. Não há a resposta que feche a posição da pessoa. Assim, a pessoa tem que encontrar outra ancoragem que não seja no tu. Forbes se refere à intimidade, êxtimo, que não é captada pelas câmeras.

Tercio Ferraz lembra que, embora não sejamos iguais, estamos uniformizados, todos na mesma televisão. Finalizando, Forbes lhe pergunta: “Você diria que todos são iguais perante a lei?”, ao que o jurista responde: “Talvez possa dizer que somos todos uniformes perante a lei.”

Sinopse de Teresa Genesini e Elza Macedo