/O pulo do Jabuti

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Claudia Riolfi

 

Em 1930, o psicanalista
austríaco Sigmund Freud ganhou o prêmio literário Goethe (em alemão, Goethepreis
der Stadt Frankfurt
), em Frankfurt, Alemanha. Destinado a reconhecidas
personalidades, cujas realizações criadoras são dignas de honrar a memória de
Goethe, o prêmio era uma de suas mais importantes premiações culturais. Nascido
em 1856, Freud foi premiado na 4ª edição do Goethe, aos 74 anos. Dizem os
biógrafos que a emoção de Freud foi confessa pelo nome do prêmio: Johann
Wolfgang von Goethe era um de seus escritores prediletos. Lendo suas obras, o
motivo fica evidente: está recheada de casos clínicos redigidos com a graça do
texto literário, a tal ponto que podem ser lidos como romances.

Dia 13 de novembro de
2013, o psicanalista brasileiro Jorge Forbes ganhou o prêmio Jabuti, atribuído
pela Câmara Brasileira do Livro, em São Paulo, Brasil. Nascido em 1951, Forbes
foi premiado na 55ª edição do Jabuti, em uma de suas 27 categorias de melhor
livro do ano: psicologia e psicanálise. Dias antes da entrega do prêmio, estava,
todo contente, dizendo aos amigos que adorava o motivo pelo qual o nome do
prêmio tinha sido escolhido: no folclore indígena brasileiro, o jabuti tem
papel semelhante ao da raposa de La Fontaine. É apresentado como a
personificação da manha, da astúcia e da paciência. Será que Inconsciente e Responsabilidade (a obra
premiada) porta esses signos?

Sem dúvida! Foi
necessária, certamente, muita perícia para juntar com a conjunção aditiva “e”,
no título e no livro, dois termos cuja justaposição até então não era tão óbvia
quanto “maçã” e “banana” visando a, declaradamente, tomar a via da sexuação
para “ancorar uma ética que implique a responsabilidade sexual pelo
inconsciente real”, para além do Édipo.

Analogamente, precisou
de muita fleuma para arquitetar um trabalho que, inicialmente, passou pelo
crivo universitário, e, depois, ganhou interesse do grande público, ressoando,
inclusive, nos jurados do Jabuti. Ainda, demonstrou bastante argúcia ao privilegiar
uma temática que fala a todos nós: ao levar em conta as grandes transformações
sociais, perceber a pertinência de pensar as raízes da moralidade com
fundamento da culpabilidade. Propondo que a “responsabilidade própria da
psicanálise não se resolve em esquiva, explicação ou desculpa”, a obra sustenta
a tese segundo a qual, na clínica que fazemos hoje em dia, a “responsabilidade
sexual pela escolha do parceiro ou do sintoma com que se goza” deve estar em
primeiro plano.

Na noite de
quarta-feira, a Sala São Paulo estava lotada. Familiares, amigos, colegas do
premiado se fizeram presentes. O portador do Jabuti se dividia em mil e
administrava o bem-estar de todos. Tinham encontrado lugares? Alguém tinha se
perdido? Era um jeito cuidadoso de se revelar feliz.

Para além da alegria
pessoal de Forbes, é a psicanálise quem ganha quando o valor de uma obra na
qual se lê uma franca campanha contra todos que professam da visada
determinista – causa da irresponsabilidade – é premiada. Nos enche de
esperanças perceber que fez sentido a um maior número de pessoas que, nas
relações humanas, hoje, o ponto de vergonha de cada um deve ser tocado. É o
pulo do Jabuti.