Jorge Forbes
Essas duas visões têm em comum uma essência dual: sim e não, água e vinho, claro e escuro, que desemboca, forçosamente, no maniqueísmo do certo e errado, do estar a favor e do estar contra. É necessário um terceiro registro para sair desse modelo pegajoso de parceria, que tende a se repetir “ad infinitum”: ontem, foi o hacker das Filipinas que surpreendeu a ordem internáutica com seu contraditório “I love you”, hoje, em outra escala e conseqüência – Bin Laden – amanhã, o que surgirá? Não sabemos como nem quando – Bin Laden ainda dará muito “pano para mangas” – mas que algo semelhante se repetirá nesta mesma série, não há como duvidar, se não dermos chance a compreensão de um terceiro registro, que podemos chamar, com Jacques Lacan, de Real, um elemento que mostra o incompleto do mundo, que diz: “não todo mundo tem que ser assim… americano, muçulmano, destro, canhoto, loiro, moreno”, enfim, não importam os exemplos, o que vale é destacar o “não todo mundo”. O desejo humano é antagônico às soluções do “todo mundo tem que”, às soluções totalitárias. Essa semana sente-se um gostinho de sucesso com o SBT derrotando a Globo. Sempre David será mais simpático que Golias e a menina pobre levará o prêmio, mesmo quando é o menino rico quem o merecia. Estou me referindo à “Casa dos Artistas”, no 1, é claro.
E o Brasil, nisso tudo, como podemos prever seu ano novo? Não seríamos brasileiros, se não respondêssemos: com sucesso! Mas, dessa vez, dá até para justificar um pouquinho. O povo brasileiro é um povo que sabe lidar com o terceiro registro, o do Real. Para começar, ele não se leva muito a sério, fato que evidencia seu conhecimento de que algo sempre escapa às nossas vãs consciências. Quando tudo parece perdido, surge sempre uma luz, mesmo que seja de lanterna de pilha fraca. A desconfiança do brasileiro dos padrões rígidos de comportamento, favorece a sua inventividade frente aos piores abismos. Agora, nesses momentos em que os padrões de sucesso despencam, o mundo volta-se para o Brasil -começam a considerá-lo um país interessante – para perguntar-lhe: “E aí amizade, como é que se sai dessa, como é que se goza no infortúnio ou no desvario?”
Entre outros, é De Masi, o guru sociólogo italiano, que coloca as minas de conhecimento e administração do gozo no Brasil. A globalização, a satisfação da globalização é aqui, pois o Brasil há muito tempo descobriu e vive a flexibilidade; somos doutores em saber tratar a surpresa, base de um mundo atual incompleto, sem ideais universais, além do bem e do mal, insistimos.
Acrescente-se à essa vocação flexível, realista no sentido do Real descrito, que dois acontecimentos nacionais marcarão o novo ano, repartidos equilibradamente, um no final de cada semestre: a Copa do Mundo de Futebol, no primeiro, e as eleições presidenciais, no segundo. Não dá para pedir mais, se o objetivo é a catarse dos males associada a uma esperança realizável. E a distribuição é tão marota que se o Brasil não for campeão do mundo no primeiro semestre, coisa que todo mundo desconfia, mas todo mundo (ainda) espera, já em agosto as esperanças estarão deslocadas para o futuro Presidente da República e a frustração que ocorrerá – não há como não ocorrer – será minorada no Natal, logo em seguida ao Quinze de Novembro. Vai ver que Deodoro calculou bem a data da República, prevendo que a cada escolha se atualizam os votos do renascimento da felicidade.
2002 se configura como um ano brasileiro, por excelência. Feliz Ano Novo, Brasil.