/De Elisabeth Almeida: Vocês querem denúncia? – Eu denuncio vocês.

Carta Aberta ao Conselho Federal de Psicologia

por Elisabeth Rodrigues de Almeida
CRP – 04 8112

Estamos em vias de votar um novo código de ética profissional em dezembro. Este, faz uma alteração fundamental que concerne à questão do sigilo profissional. O sigilo passa para um outro contexto. Muda radicalmente de lugar. No código em vigor, quebrar o sigilo é uma decisão que pode ser tomada em determinadas circunstâncias. No código proposto, quebrar o sigilo transforma-se em uma obrigação, um dever. Um dever de informar às autoridades competentes acerca dos perigos que um indivíduo pode representar para a sociedade ou para si mesmo. Caso não faça isso, o psicólogo poderá responder judicialmente por isso.

Faço uso do código proposto pelo atual Conselho para fazer uma primeira denúncia: sinto-me profundamente ameaçada por esse Conselho. Recebo esta proposta como algo que porta uma violência sem mediação, algo irrefletido, cujas consequências não estão sendo medidas; cujas boas intenções, se lidas eticamente, nos levam à uma desimplicação do profissional na clínica.

Os sentimentos de perplexidade, de não ver possibilidade de reconhecer minha postura profissional neste Conselho, de não ver representabilidade num ponto tão fundamental levam-me a escrever esta carta.

Gostaria de saber como os profissionais que tiveram conhecimento desta proposta conseguem pensá-la. Gostaria de saber se é tão evidente assim, para uma grande maioria, responder à violência com a violência. Se é confortável a posição de delator, de informante, de levar para o Outro aquilo que de um me foi confiado, e mais, me foi confiado pressupondo que ali pelo menos as questões poderiam ser trabalhadas. Gostaria de saber se não basta ao profissional saber que ele pode se recusar a atender alguém, que ele pode e deve escolher, e que outros manejos estão ao seu alcance para preservar a clínica.

Não me parece estranho que esta proposta de denúncia ocorra num tempo onde a violência se expande e onde as respostas são persecutórias, violentas, e portam um único diferencial: são politicamente consentidas. Sabemos os resultados que isso vem trazendo. Estranho é que nos deixemos levar por isso, nós, profissionais que herdamos, em maior ou em menor escala, uma prática ética com a palavra, um conhecimento da complexidade humana, uma possibilidade de intervenção que deveria responsabilizar finalmente cada sujeito frente ao seu desejo, ou se quisermos, frente às questões que a vida coloca para ele.

Reitero minha perplexidade. Reitero meu sentimento de não pertencimento. Tenho um percurso e uma relação com a clínica que não me permitem, sob a cobertura do que quer que seja, exercitar a violência de delatar e mais que isso, trabalhar sob esta imposição.

Varginha, 12 de setembro de 2004.