/De Márlio Nunes: “Aparelho Elétrico Antidepressão”

Em recente matéria de quase um página no caderno Cotidiano e com chamada na primeira página do jornal Folha de São Paulo em sua edição de domingo, foi apresentado um prático e inovador tratamento da depressão por um aparelho que emite pequenas estimulações elétricas na cabeça. Essa “nova promessa de terapia”, esta sendo estudada por um grupo de pesquisadores da prestigiosa Universidade de São Paulo. A terapêutica é apresentada, então, com uma série de vantagens em relação a outros tratamentos disponíveis. Contra o uso de medicamentos, não apresenta efeitos colaterais e é mais barato. Bastam 20 minutos para “terminar sem dor ou incômodo mais uma sessão de seu tratamento para depressão”.

Um verificação crítica sobre essa técnica baseada no prórprio método de validação em que ela se encontra, que é o da evidência científica, com os chamados ensaios clínicos comparativos com aplicação falsa ou aplicação “placebo”, mostra-se problemática. O uso de pequenas descargas elétricas diretamente sobre a cabeça como forma de tratamento psiquiátrico, embora possa parecer, não é novo. Foi objeto de tentativas anteriores desde do desenvolvimento, na década de 30 do século passado, do eletrochoque (que também não é prático uma vez que exige uma maior estimulação elétrica, suficiente para levar a uma convulsão, esta sim considerada terapêutica e a possibilidade de prejuízos sobre a memória, além dos estigmas sociais que o acompanha). Basta uma pequena pesquisa na internet ou em um biblioteca científica, para se constatar que o método não tem a menor evidência em estudos cinetíficos de trazer resultados superiores ao uso como placebo. O entusiasmado repórter poderia ter feito isto. O pesquisador diz que a aplicação atual se difere por fazer uma estimulação direta do tecido cerebral em áreas que estariam relacionadas à depressão conforme demonstrado em pesquisas com imagens do cérebro em funcionamento. Se esquece que a calota óssea do crânio, que fica entre o local de colocação dos eletrodos e o cérebro, distribui irregularmente a corrente elétrica, que não fica focada na área estimulada externamente.

Se um tratamento de duvidosa validade dentro de seu próprio discurso, que é o científico, encontra abrigo e destaque dentro de um dos maiores e respeitados jornais do país e respaldo da mais importante universidade, é por se adequar a um modelo de maior força no mundo atual.

A própria forma como é apresentada a nova terapia na reportagem nos dá uma pista: a promessa de um tratamento sem dor, sem efeitos colaterais, portátil, que pode ser feito em casa, com resultados rápidos, ao alcance de todos! Uma consumidora, ops, uma paciente dá seu relato de sucesso após vários tratamentos infelizes e termina – “Fiquei superbem”. A semelhança com um comercial de uma nova forma de se acabar com a celulite ou gordurinhas localizadas não é mera coincidência. Ao jornal interessa, antes de tudo, vender ao maior número de pessoas. Aos pesquisadores que seus trabalhos tenham ibope. Portanto, a união mídia-academia se organiza em torno de serem comprados pelas massas. O mercado dita a moda. E o que eles supoêm que as massas querem comprar não é uma solução, mas uma promessa. Neste sentido a psiquiatria tem sido generosa. Chega de tratamentos parciais, cheios de efeitos colaterais. Novas técnicas de investigação e visualização cerebral nos conduzirão à compreensão do cérebro e do comportamento humano com o desenvolvimento de tratamentos mais eficazes e sem riscos, talvez em um futuro próximo, e se não foi dessa vez, não se preocupe, a tecnologia está avançando e em breve…

A manutenção e renovação da promessa é que faz vender. Uma promessa para não ser cumprida, visto que é uma promessa do impossível, uma promessa do ideal.

Assim posto, se a psicanálise quiser se contrapor à psiquiatria atual, não deve fazê-lo no campo em que é chamada pela última, que é demonstrar sua eficácia em estudos científicos ou mesmo com outros argumentos sobre sua utilidade terapêutica como querem fazer alguns psicanalistas, mas prover uma alternativa ao querer das massas, ao ideal impossível de viver.