/De Miguel Calmon: sobre o “Nossa política para a psicanálise e a da IPA: três exemplos”

Meu amigo Jorge Forbes convida que eu reaja à proposição de Eric Laurent publicada no site do Projeto Análise sobre as reformas encaminhadas pela IPA. Reajo de bate pronto, como se diz na gíria do futebol.

O texto se organiza da seguinte maneira: Eric Laurent sustenta sua argumentação baseando-se em três pontos que caracterizam eixos de convergência das mudanças em discussão na IPA para, na conclusão, criticá-los e reafirmar as posições de sua escola.

Expressa deste modo uma opinião vigente nos meios psicanalíticos até passado bem próximo.

Isto é, todos nós continuamos achando que o melhor, no que diz respeito à regulamentação da psicanálise – por exemplo, para a maior parte de nós psicanalistas brasileiros – o melhor seria não fazer nada, ou seja, deixar as coisas como estão. Assim (des)regulamentada, respeita-se o mais próprio da psicanálise e se reserva, informalmente, a hegemonia das instituições as quais pertencemos sobre o campo psicanalítico.

Desta forma a maioria de nós se manteve até que fossemos forçados a responder ao que nos foi violentamente questionado e exigido sob pena de eleger um Severino Cavalcanti analítico, tantas as nossas divisões e hesitações frente à sociedade.

Nenhum de nós queria ou quer a regulamentação.

Todas as soluções encaminhadas apresentam problemas complicados: seja a saída universitária, seja a saída de um consenso entre as diferentes instituições psicanalíticas, seja a saída pela aproximação da psicanálise à medicina, ou seja, simplesmente nada fazer.

Não tenho nenhuma dificuldade em concordar com as conclusões de Eric Laurent. Gostaria que minha instituição pudesse se manter alinhada na mesma direção.

O que se passa, entretanto, é que a sociedade exige uma discussão para a qual não estamos preparados e que não conhecemos ainda as saídas possíveis e necessárias, mas não podemos ficar de fora. A isso o texto nada responde e nada propõe. Eric Laurent desqualifica os esforços que estão sendo feitos. Não que suas críticas não sejam oportunas e importantes, apenas não são suficientes e silenciam o problema.

Por exemplo, não fosse o esforço recente de um grupo de psicanalistas brasileiros, de diferentes instituições, em se reunir para discutir e apresentar propostas concretas de barrar as pretensões da bancada evangélica no Congresso Nacional de legislar em torno da chamada “psicanálise clínica”, hoje possivelmente teríamos um CONSELHO FEDERAL DE PSICANÁLISE, do qual, com certeza, estaríamos excluídos. Ou ainda teríamos a psicanálise atrelada à chancela médica, pretensão que retorna de tempos em tempos através da idéia da submissão de toda a política de saúde mental ao poder médico. Mesmo que se queira argumentar a falsificação da psicanálise implicada em tais iniciativas, quantos de nós não estaríamos prejudicados ao não nos beneficiarmos das políticas públicas de saúde mental? Quantos de nós, psicólogos de graduação, não nos veríamos constrangidos no exercício profissional pela necessidade da assinatura de um médico para poder trabalhar?

Eric Laurent lembra como resistir às exigências do mercado, mas não propõe como acolher positivamente as questões que a sociedade manifesta. Feito um diagnóstico, fica mais evidente ainda a necessidade do tratamento, que se aguarda de uma agenda compartida e positiva a ser elaborada.

Rio de Janeiro, 19 de setembro de 2005.

Miguel Calmon du Pin e Almeida.