/Existe um novo tipo de amor

Em entrevista para a revista Plural, Jorge Forbes fala, aos alunos de jornalismo da ESPM, que existe um novo tipo de amor.

O PSICANALISTA JORGE FORBES, UM DOS PIONEIROS NO ENSINO DA TEORIA LACANIANA NO BRASIL, DIZ QUE OS JOVENS HOJE AMAM DE UM JEITO DIFERENTE, E ISSO É POSITIVO

 Murillo Grant

Thiago Montero

Existe amor nas baladas? Para o psicanalista e psiquiatra Jorge Forbes, a resposta é um provocativo “não, e
graças a Deus”. Mas calma. Antes que nos desesperemos, ele emenda: “Mas existe amor nas pessoas”. Aliviado? Pois esse amor, completa, é diferente daquele que manifestávamos décadas atrás. Em um certo sentido, é mais descompromissado. “Hoje em dia alguém com alguém porque quer estar”, simplesmente.

Nascido em Santos e criado no Rio de Janeiro, o psicanalista divide sua vida profissional entre São Paulo e Paris. Doutor em Ciências pela Universidade de São Paulo (USP), em Teoria Psicanalítica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e mestre em Psicanálise pela Universidade de Paris VIII, Forbes tem artigos publicados nacional e internacionalmente.

Como um dos principais introdutores do ensino de Jacques Lacan no Brasil – presidindo hoje o Instituto da Psicanálise Lacaniana (IPLA) e o Projeto Análise – seus estudos são direcionados nas mudanças e novas formas de viver na pós-modernidade. “Tenho um olhar muito otimista sobre a pós-modernidade e o que os jovens de hoje estão fazendo. As pessoas têm necessidade do encontro físico”, comenta.

Forbes recebeu a Plural em seu consultório na Al. Casa Branca, em São Paulo. Confira a seguir os principais
trechos da entrevista.

O que caracteriza uma balada?

A balada é o local de encontro de pessoas, normalmente jovens, que se reúnem em uma cidade normalmente grande. Um local de encontro de pessoas variadas, em uma faixa etária de 16 a 30 anos, onde elas se conhecem, se encontram, dançam, se divertem, brigam, fazem amizades. É uma praça pública da pós-modernidade nos fins de semana para a juventude se encontrar.

De que juventude estamos falando?

Os jovens dos anos 60, 70, 80 queriam ainda compreender. O jovem atual não quer compreender. A pergunta fundamental do jovem de hoje é: tá ligado? Pergunta essa que diz muito mais respeito a alguma coisa que fez sentido para mim talvez faça sentido para você, mas não da mesma forma que fez sentido em mim. Em épocas anteriores era necessária que fosse da mesma forma. Nesse momento atual, a diversidade de suportar a diferença é mais rica, por isso tenho um olhar muito otimista sobre a pós-modernidade e o que os jovens de hoje estão fazendo. Esses jovens estão descobrindo uma maneira de habitar esse novo mundo e cabe a nós, cientistas da humanidade, legitimar esse movimento e perceber o que está sendo feito.

O que leva as pessoas frequentarem uma balada?

A necessidade fundamental das pessoas de estarem juntas. É falso pensar que na pós-modernidade e na época da internet elas queiram ficar isoladas na frente das telas dos seus computadores ou similares. As pessoas têm necessidade desse encontro físico.

O que essas pessoas festejam?

O encontro. Festejam as mais diversas emoções humanas. Festejam o amor, a competição, a estética, o prazer musical e podem também festejar sua agressividade – não estou dizendo que devam, mas existem pessoas que vão na
balada para o exercício da violência. Festejam se desligar de si mesmas, aos que adoram tomar porres homéricos.

Por que há tanta briga nas casas noturnas?

As pessoas são muito mal resolvidas em relação à possibilidade de encontrar uma outra pessoa. Encontrar uma outra pessoa te leva a diferença de você mesmo, leva a você se ver, se sentir apaixonado por alguém e essa paixão ser mais forte que você. Os motivos são os mais variáveis das pessoas não suportarem algo que foge as suas rotinas. A balada é algo que foge da rotina. É um espaço solto e flexível. Esse é o momento propício das pessoas, às vezes, se
defrontarem com profundas dificuldades pessoais de uma forma violenta.

Você frequentava balada?

No meu tempo não era balada. Eu frequentava boate. Mas frequentei muito as baladas atuais. Cheguei a ter carteirinha vip em uma balada aqui de São Paulo. Uma balada de música eletrônica. Frequentei também muitas raves. Comecei a frequentar essas baladas porque eu fiquei interessadíssimo, como psicanalista, de entender o que era essa música eletrônica.

Qual o papel da música eletrônica nos dias de hoje?

Para as pessoas da minha geração, a música eletrônica é uma coisa esquisitíssima. Minha geração foi formada pela bossa-nova, pelo barquinho que vai e que vem, pelo você quer ser minha namorada. Foi formada nas curvas da
estrada de Santos. Todas elas, músicas que eram carregadas de sentido, que todos cantavam juntos. O grande show da minha época foi o Frank Sinatra no Maracanã, que tinha cento e sessenta ou quarenta mil pessoas. Eu lembro que ele – o cantor – ficou fascinado em ouvir My Way com todo mundo cantando junto. Ora, duas coisas são muito diferentes da música eletrônica. Uma que ninguém canta junto. Outra, o show do Frank Sinatra, por exemplo, virou, na época de hoje, um show pequeno, porque hoje você aglomera dois ou três milhões de pessoas. Então eu comecei a ficar muito intrigado que música era aquela que juntava muito mais gente que o maior show da minha época e ao mesmo tempo essas pessoas não se falavam. A música eletrônica ninguém canta junto, até porque você dança. Eu dizia: é todo mundo maluco? Porque se fosse no meu tempo de faculdade, aqueles dois milhões de pessoas juntas, porém separadas, seria visto como um quadro grave de alteração psíquica. Todo mundo meio psicótico, sem se entender. Eu me perguntei se tinha um novo vírus psicótico que pegou toda essa geração. Fiz vários trabalhos a respeito e a conclusão sobre essa música típica das baladas foi que a geração atual, que eu chamo de geração mutante, é uma geração que percebeu a possibilidade das pessoas estarem juntas sem a necessidade da compreensão e do diálogo. As pessoas dançam sem necessidade de se compreender. Aliás, ali não dá para conversar muito. Um dos temas fundamentais de compreensão desse novo laço social veio da música eletrônica.

Em 1999, você escreveu um artigo e disse: ‘Nas festas embaladas pela música eletrônica, não é um cantor, ou um grupo musical que atrai a atenção, é o DJ.’ Qual a importância desse profissional?

É uma importância fundamental porque, no momento em que ele está tocando, ele não tem uma coisa pré- estabelecida como os artistas. Quando Ivete ou Martinho da Vila vão fazer um show eles vão com algo pré-determinado. O DJ tem as músicas pré-estabelecidas, só que ele muda a série, a forma, a tonalidade. Ele intervém o tempo inteiro, ou seja, ele é uma enzima propiciadora fundamental que faz aquela energia continuar vibrando. Ele tem que ser alguém que conheça música profundamente, que saiba fazer a junção dessas músicas com seus ritmos e intervenções e que tenha uma percepção das pessoas da balada para mantê-las conectadas entre si e com ele.

A Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas realizou uma pesquisa e constatou que a maioria dos jovens procura se divertir à base de álcool e drogas. O que você acha do uso de drogas nas baladas?

Na pós-modernidade você tem novos sintomas. No tempo anterior os sintomas passavam pela palavra, pela dificuldade de expressão ou pelos traumas. A psicanálise de trinta ou quarenta anos atrás, por exemplo, era centrada na retirada do trauma e na possibilidade da pessoa fazer uma expressão sem o tal trauma. Na pós-modernidade, as pessoas sentem a necessidade de um novo confronto com o limite. Essa satisfação não direcionada é uma angústia brutal. E o homem encontra nas drogas uma resposta muito boa. As drogas, infelizmente, são ótimas respostas. Se não fossem, nós não estaríamos em frente a uma epidemia terrível de drogas nesse momento. Por ser capazes de responder, viciam. Elas viciam biologicamente e psiquicamente. A luta contra as drogas nesse momento é um dos maiores desafios para todos os profissionais de saúde, especificamente os psiquiatras, psicanalistas e psicólogos.

Em um artigo publicado na revista IstoÉ Gente, em dezembro do ano passado, com o título ‘Um novo amor está no ar’, você comentou que ‘Pais contam nos consultórios dos psicanalistas suas aflições frente a aparente superficialidade de seus filhos ficantes que distribuem beijos de boca em boca
nas baladas eletrônicas. Calma. Essa moçada é também aquela que não fará concessão por amores arranjados e acomodados.’ Existe amor nas baladas?

Nas baladas, não, graças a Deus. Mas existe amor nas pessoas. Estou convencido, junto com outros amigos, que existe um novo tipo de amor, que nasce com a geração de hoje, mas acaba invadindo todas as outras gerações. Esse amor tem uma diferença fundamental com o amor anterior. O amor anterior era um amor intermediado, ou seja, alguém estava com outro e sempre justificava esse estar com outro por alguma razão. Ninguém hoje em dia está com alguém por alguma razão. Hoje em dia, alguém está com alguém porque quer estar com alguém. Quando você quer estar com alguém você não sabe muito bem porque quer estar com alguém. O amor tem um aspecto muito curioso de ser impossível significá-lo completamente. Sempre você está com alguém por uma aposta de estar com alguém.
As pessoas acham que estão com elas porque são formidáveis. Não é tanto assim. As pessoas estão umas com as outras apesar delas. Esse novo amor é um amor mais responsável. É um amor mais interessante do que o amor que estava com você por alguma coisa. É um amor porque eu quero estar. As pessoas que estão nas baladas sabem suportar um novo tipo de amor. Os pais dizem que os filhos ficam de boca em boca. Tem um momento onde as pessoas ficam de boca em boca, mas não acredito que o ficante será ficante sempre. Haverá um cansaço. Eu tenho visto relatos muito responsáveis da moçada em relação ao amor.

Você acha que os jovens de hoje querem muito mais experimentar diferentes sensações de amor, de ficar com vários e depois namorar, experimentar de tudo e depois ver o que é melhor?

Não sei se isso é uma característica do jovem de hoje. Acho que a juventude está sempre vinculada à abertura ao novo. Quando uma pessoa mais velha quer se dizer jovem, ela sempre vai dizer que é jovem porque está aberta ao novo. Muita gente acha que essa geração está perdida porque não consegue estabelecer laços. Não é o que eu tenho visto. O novo elemento ordenador na pós-modernidade é a responsabilidade maior das pessoas umas com as outras. As pessoas estão mais sensíveis a existência do outro e menos sensíveis a grandes causas. A minha geração era sensível a revolução, as causas religiosas, das guerras. A geração de hoje não é tão sensível a isso.

Diversão é um tipo de fuga, e vice-versa?

A diversão é uma forma de encontro. Se as pessoas estão muito alienadas no dia-a-dia delas, elas não deveriam estar. Temos que recuperar da palavra diversão, o divertido e o diverso. É divertido para o ser humano tudo aquilo que sai da mesmice. A palavra chato vem da fala de relevo, do irrelevante. Uma situação chata é uma situação irrelevante. Se as pessoas têm vidas chatas, a responsabilidade é delas. Elas não deveriam ter vida chatas. Elas deveriam ter vidas relevantes. Vida relevante não quer dizer vida importante. Quer dizer vida divertida, diversa. O problema é que as pessoas se defendem na mesmice. Ser chato é ruim para os outros mas é bom para o chato. O chato é um cara seguro. Ele sempre sabe tudo o que vai fazer, do momento em que ele acorda até o que vai dormir. O chato muitas vezes encontra uma boa parceria. Chatos são parceiros de chatos. A diversão não é uma fuga da alienação. A diversão é um
aspecto fundamental da espécie humana.

O que os frequentadores de baladas desejam?

Adoraria saber o que os frequentadores de baladas desejam. O psicanalista não responde sobre o quanto desejam. Ele leva a pessoa a tentar responder sobre o que deseja. Desejar e querer não são uma dupla harmônica. O desejo é algo muito diferente da necessidade. Estar com alguém é necessário. Estar com aquele alguém, é desejo. Necessidade é alguma coisa que todo mundo compreende e que, normalmente, está vinculada as necessidades biológicas do ser humano. Desejo é aquilo que sai do universal e te singulariza. E aquilo que te singulariza, te tira do grupo. Por te tirar do grupo, te deixa muito inseguro. Para dizer que quer o que deseja, é preciso ter coragem. Infelizmente, uma grande parte das pessoas é muito covarde frente a suportar o seu desejo. Às vezes, elas têm que ficar doentes para
depois descobrirem que para suportar seu desejo não precisam ficar doentes. E a vida fica mais divertida.