/Fofoca como laço social

Jorge Forbes

 

Ora, ora. Duas psicólogas da Universidade de Staffordshire, na Inglaterra, gastaram um bom dinheiro para mais uma dessas pesquisas que pululam por aí, para satisfazer a febre empírica de tudo provar com números, característica de nossa época, e que disputam o prêmio “Ig Nobel”. Chegaram a duas conclusões apresentadas no último 7 de setembro, em congresso realizado na Universidade de Winchester: que fofocar elogiando faz bem para o fofocador, e que homens fofocam 76 minutos por dia, enquanto mulheres fofocam menos, só 52 minutos, contrariando a voz popular. Essa notícia obteve repercussão na internet, enquanto, nas plagas brasileiras, uma revista semanal abriu espaço nobre para reproduzir a nota, sem qualquer crítica.

Dado o interesse, examinemos a fofoca. Para começar, fofoca se antepõe, classicamente, à informação dita séria. Fofocar é falar sem prova, normalmente baseado no que uma pessoa sente ou, melhor, naquilo que quer fazer o outro sentir. A característica negativa da fofoca é muito mais comum que a positiva, por uma razão simples: é exatamente a negatividade que justifica a não publicação oficial do fato, pelas mais variadas razões morais, deixando e incitando que ele – o fato – se espraie pela rede do diz-que-diz. Em um mundo em que canais oficiais se distinguiam claramente dos informais, era fácil separar a fofoca da informação. Não é o que ocorre em nossos dias de uma sociedade horizontalizada, na qual os meios de comunicação estão à disposição de todos, de forma fácil, barata e eficiente. Todo mundo pode comentar tudo, estamos no mundo da fofoca generalizada.

No mundo anterior, vertical e padronizado, a informação séria acalmava os espíritos que nela encontravam a boa referência para se orientar. No universo atual da epidemia da fofoca, as pessoas se achando perdidas, buscam uma palavra que lhes seja mais asseguradora, daí seguirem piedosamente os que falam em nome de Deus, ou em nome da ciência, o que explica a explosão de neo-religiões em cada esquina, ou em cada madrugada televisiva, e o crescimento exponencial dos livros de auto-ajuda supostamente calcados em ciências da mal dita “qualidade de vida”.

Fofoca-se sobre tudo e sobre todos, respeitando a uma só regra essencial: -“Jamais fofoque em frente ao fofocado”. Frente à invasão da fofoca em todas as vidas, como se defender? Podemos depreender de Jacques Lacan uma lição simples: nunca dê consistência ao Outro. O que quer dizer isso? Elementar: a fofoca, exatamente por sua característica de incerteza, pede para ser comprovada e não há melhor comprovação que aquela oriunda do fofocado, através de ações do gênero: desmentido, irritação, agressão, disfarce. O fofocado nunca deve assumir o lugar de condenado que lhe é proposto, assim fazendo, a fofoca voltará como descrédito a quem a inventou. Vejam exemplos em pessoas muito conhecidas como Chico Buarque e Pelé; quando é que eles responderam a alguma fofoca sobre novas namoradas, ou filhos não declarados? Já, Caetano Veloso tem tropeçado volta e meia no rabo da fofoca, se desgastando em explicações pela imprensa de supostos fatos que não resistem ao primeiro acorde de uma de suas canções.

A fofoca vive bem nesse nosso novo mundo que funciona mais pelo ressoar que pelo raciocinar. Quando dois jovens hoje conversam entre si, eles não perguntam um ao outro, como seus pais faziam, se está claro o que foi dito, se deu para compreender. Não, o que eles perguntam está resumido na expressão tão repetida a ponto de virar caricatura, que é a “Tá ligado?”. Perguntar se “tá ligado” é querer saber se o que foi dito ressoou no interlocutor, se encontrou eco, e não se foi bem compreendido. A cada um de saber o que fazer com o que o foi dito, a cada um de completar o sentido do “tá ligado?”. Assim, esse terreno se revela rico para a fofoca que transita por aí como a energia transita em um fio. E tudo vai bem, salvo se alguém resolve acreditar que a fofoca é sobre ele mesmo; aí o circuito pára, por ter encontrado uma pessoa fora do laço social da globalização: um desligado. 

(Artigo publicado em “Psique – Ciência e Vida”, n° 59, Novembro de 2010).