Artigo de Jorge Forbes publicado na revista WELCOME Congonhas, abril de 2009 – ano 2 – número 24
A mania de pesquisa que assola o mundo gera falsa segurança e cria nova doença
É preocupante escutar em um congresso recentemente patrocinado pela principal universidade da América Latina, a USP, um bem apresentado pesquisador das neurociências dizer algo mais ou menos assim: -“Finalmente a ciência vai trazer as respostas ao mundo sobre as quais filósofos nunca conseguiram se entender, a saber: onde se localiza no cérebro o amor, a inveja, o ciúme, o gosto, e, em decorrência, poder intervir farmacologicamente sobre eles, trazendo o alívio que a Filosofia e a Psicanálise nunca foram capazes de oferecer, apesar do tempo que a ciência lhes deixou para tanto”. As mil e duzentas pessoas ali presentes, a maioria jovens recém formados nas áreas biológicas, acharam tudo natural, da mesma forma que Vinícius dizia que acabamos por achar Herodes natural.
Um médico, diretor de pesquisas de um laboratório farmacêutico, ao ouvir essa boa nova, animadíssimo deixou escapar: – “É isso mesmo, nós, por exemplo, em pouco tempo estaremos prontos para lançar um remédio específico para o Id”. Foi apartado simpaticamente por um psicanalista que lhe propôs batizar o novo medicamento de “Idi-ota”, na certeza do seu sucesso.
Estudos dessa espécie, se assim merecem ser chamados, pululam em reconhecidos centros de pesquisa do mundo ocidental, generosamente pagos por agências governamentais de fomento à pesquisa. É o povo pagando pelo velho sonho da felicidade encapsulada e recebendo de presente o pesadelo reducionista do apagamento da subjetividade humana.
A epidemia dessas pesquisas esquisitas, que de tantas já merecem um diagnóstico, proponho: PESQUISITICES, se explica pelo desbussolamento humano na era da globalização. No mundo anterior – chamado de moderno, ou industrial – o laço social, ou seja, os modos de comportamento das pessoas, era gerenciado por padrões verticais de identidade: na família, o pai; no trabalho, o chefe; na sociedade civil, a pátria. No mundo atual, a ligação entre as pessoas se horizontalizou; os padrões não são mais unitários, mas múltiplos, o que aumenta muito a responsabilidade de cada um frente às suas escolhas. E isso angustia, daí a ânsia de que algum estudo empírico restabeleça a ordem vertical perdida e assegure o sucesso a quem disciplinadamente seguir o que lhe for prescrito “cientificamente”.
Pesquisar, no sentido de certas pesquisas empíricas, quer dizer encontrar a cifra que represente cada uma das experiências que se quer estudar. Nesse caso, só se pode pesquisar o que for passível de ser filtrado pela palavra. Parte-se necessariamente do princípio de que tudo pode ser nomeado, e aí reside o engano. O mais essencial da experiência humana não tem nome, nem nunca terá, o que explica a característica básica dos homens: a criatividade. É paradoxalmente obscurantista a ciência que não vê o invisível do desejo; acaba promovendo o ridículo em nome de uma segurança enganosa.