PA: Passados um pouco mais de vinte anos, o que lhe ficou de sua análise com Lacan?
Pierre Rey: A primeira coisa que eu guardei foi a possibilidade de refletir a cada instante, de saber guardar uma distância das coisas, ter o sentido do relativo e decodificar: atrás das coisas tem a sua ossatura, a estrutura. Isso vale para todas as questões da atualidade, até mesmo para a paixão e o amor. Posso ver a estrutura.
PA: Como você vê o lugar da psicanálise hoje no mundo? O que você pensa que os analistas podem fazer para manter a importância que Freud e Lacan deram a ela?
PR: Isso pede um longo desenvolvimento. O lugar da psicanálise é o da demanda, feito pelo mal-estar daquele que sofre. Uma análise não se escreve sobre o nada e, sim, sobre o sofrimento. Esse mal-estar – falávamos de estrutura agora a pouco – esse mal-estar é estrutural. Conseqüentemente, a psicanálise não pode deixar de existir, da mesma maneira que o mal-estar do homem não deixará.
Agora, o que a gente deve fazer para que a psicanálise guarde seu lugar? Eu responderia: nada. Não há nada a ser feito. Comparemos a relação entre o analista e o cliente, com a da mulher amada e um homem. Nada a fazer senão esperar que o outro venha em sua direção. Só se pode esperar a demanda, e ter que esperar não quer dizer que a demanda não exista, e que o outro não virá ao seu encontro. Para o analista, basta esperar.
Imagine um mundo amanhã em que cada um estivesse feliz na sua pele: não haveria mais análise. Isso é completamente impensável. A psicanálise vai durar o tempo do mal-estar do homem.
PA: Cada vez mais pessoas preferem tomar remédios. Você acredita que os medicamentos vão substituir a psicanálise ou não?
PR: No mundo da medicina, para cada problema existe uma solução. Aspirina para dor de cabeça, amputação da perna para gangrena. Na análise a pessoa tem uma demanda, a partir de um mal-estar mais amplo, e não uma demanda de sintomas desse tipo específico, dessa precisão. A questão da análise é localizar um sintoma e levar a pessoa a se sentir melhor. Eu diria, por exemplo, que o câncer é uma resposta do corpo a uma pergunta sem resposta. O câncer nasce em você, ele é endogênico, misterioso, alquímico, secreto. Acho que não teremos soluções medicamentosas a esse gênero de mal-estar.
PA: Uma última pergunta: quando você irá ao Brasil?
PR: Eu já deveria ter ido muitas vezes, tantas que já fui convidado. Diria que quero muito ir ao Brasil, mas… seria idiota dizer isso, porque é tão fácil ir. Olha bem: eu posso me levantar dessa mesa, estar rapidamente no aeroporto, passar um cartão de crédito, receber o bilhete, embarcar no avião e pronto, chego ao Brasil. Não vou fazer isso imediatamente por uma ótima razão: você está aqui, em Paris. Uma boa razão que eu tenho para ir ao Brasil, é para estar com você.
Existem lugares, existem pessoas, amigos – existem mulheres… – que necessitam uma espécie de espera. Eu acho que o Brasil faz parte desse grupo, porque eu tenho certeza que o Brasil, ah!, le Brèsil, ça se mérite!