/Por Leny Mrech: Sinopse “As Figuras do Bem e do Mal e a Educação”

III Colóquio do Núcleo de Pesquisa de Psicanálise e Educação da FEUSP

As Figuras do Bem e do Mal e a Educação

Quais são as novas faces do bem e do mal/mau na sociedade contemporânea? Quais são os efeitos na cultura e Educação atuais dos processos de corrupção? Quais as conseqüências para o professor e os alunos?

Leny Mrech (FEUSP/IPLA) abre o seminário se perguntando a respeito dos novos rumos da ética e da moral contemporâneas.

No passado as pessoas acreditavam saber o que era a Ética e a Moral. As normas e os valores pareciam extremamente claros. Hoje vive-se uma era pós-moralista (Lipovetsky), uma época do homem desbussolado (Forbes). A Psicanálise sem divã, a Psicanálise na Cultura, está sendo convocada para pensar nos novos sintomas na cultura.

O saber na cultura atual não se pauta mais por seu valor de uso. Ele segue as normas do mercado que se rege pelo valor de troca. No passado o prazer era custoso. No mundo atual ele tem que ser “gostoso”, ou seja, o aluno não aceita uma proposta de transmissão clássica. Esta precisa ser alegre, divertida, interessante, seguindo os moldes das transmissões das mídias eletrônicas e televisivas.

Há também uma crença de que é possível se evitar o erro, de que é possível alcançar a eficácia máxima, nos rumos de uma sociedade inteiramente planejada.

O que tem sido contestado pelos novos sintomas na Educação, onde há o aumento exponencial do mal-estar docente e do fracasso escolar. Vertentes que revelam, em uma sociedade da informação, o saber tem passado por grandes transformações. Do saber orientado passou-se ao saber fragmentado (Forbes). Do saber como mais um produto da cultura atual.

Ariel Bogochvol (IPLA) aponta que há novos significantes modelam o campo da religião, moral e política. Há uma nova forma de ideal pautada na eficácia, na crença de que há algo que não escapa.

No passado havia a ética do viver bem – a virtude. Na sociedade hipermoderna há um ponto que escapa. Um retorno do recalcado que revela haver uma forclusão do sujeito frente ao saber. O sujeito se encontra alienado em relação a ele, em uma sociedade onde há o imperativo do tudo saber.

Bernard Charlot (Universidade de Paris VIII) aponta que o trabalho docente ultrapassa a mera profissionalidade, ou seja, o exercício da profissão docente. Mas o que é esse trabalho?

O professor na cultura atual se sente sempre errando. Porém, aonde? No seu projeto. O professor tende a querer educar os seus alunos nos moldes ideais que ele acredita ser. Ou seja, o professor procura fazer pequenos clones de si mesmo.

A Educação, no entanto, não é o resultado direto do educador. Não há criar os pequenos clones porque o professor depende da ação direta do aluno. É ele que precisa realizar as ações. É ele que tem que assumir a responsabilidade por seus atos.

E é aí que surge a figura do diabo no contexto escolar. Ela pode assumir inúmeras formas: a do aluno capeta, a do aluno endiabrado, a do professor que seduz e tenta o aluno, a do professor diabólico que se vinga dos alunos, etc. A figura do diabo é convocada para explicar o que ocorre quando todas as outras explicações racionais se tornaram inadequadas: “Foi o diabo!”. “ Foi ele que me fez agir errado!”

O que não se percebe é que há uma defasagem entre aquilo que o professor visava e aquilo que ele consegue fazer.

No modelo clássico o professor acreditava que ele pudesse educar o aluno à sua maneira. Contudo, o que ele constata é que o aluno resiste, revelando que há ali um sujeito, um sujeito desejante.

O diabo surge na cultura como uma figura masculina. Uma figura de tentação. Aquela que, como o diabo na história da Bíblia, usa da Eva para que ela seja seduzida a comer o fruto proibido.

O diabo seria o simétrico do professor. Aquele que costuma tentar o aluno a realizar um determinado trabalho. Aquele que, como o diabo, propõe o saber como uma criação, o saber como o fruto da árvore do Bem e do Mal.

O diabo também aparece sob uma outra face que é aquela do pesquisador. Aquele que faz uma construção monstruosa. O diabo da criação medonha: Frankstein. O diabo da criação que pode destruir.

O que se constata é que há uma ambigüidade no próprio saber, revelada pela história da Pedagogia.

Na Pedagogia tradicional até o século XVII a infância era vista mais próxima da vida animal. A criança não era concebida como um ser humano. O seu lugar se aproximava dos bichos, dos animais. Havia a crença de que a criança era o mal.

Durante séculos a Educação se pautou por um modelo onde era preciso lutar contra o diabo, contra a natureza ruim da criança. Ela era vista como o pecado encarnado.

O que levou à construção de um modelo pedagógico onde havia a necessidade de reprimir a criança, uma pedagogia da repressão. Uma pedagogia onde era preciso dominar o corpo da criança.

Com Rousseau essa perspectiva muda radicalmente. A natureza da criança passa a ser exaltada. Ela é um ser ingênuo que não tem pecado. Ela é inocente. A criança é boa por natureza.

Na cultura contemporânea se entendeu que o problema não é mais lidar com a natureza boa ou má da criança. O desejo não é mais visto como diabólico. Não é preciso combate-lo. Pois, hoje se vive uma outra época: se Deus morreu, o diabo nos dias de hoje está quase morrendo. O que acabou ocasionando novos efeitos na Educação e na Cultura.

Márcia Bacha explorou uma outra face da questão do bem e do mal na cultura. Ela revela que o diabo tem sido visto como feminino.

O feminino e o infantil costumam aparecer tradicionalmente como os males da Educação. A mulher e a criança foram sempre vistas como a encarnação do mal (diabo) na cultura.

Na cultura contemporânea, diferentemente do passado que costumava angeliza-los, os professores têm sido vistos como as figuras do mal na cultura. Há uma demonização da Educação e dos educadores.

Mesmo a própria Psicanálise não tem escapado, muitas vezes, desse olhar aos propor que o professor corrompe o aluno, que o professor destrói a natureza boa e a ingenuidade do aluno.

Mas, de onde surgiram estas fantasias? Bacha revela que elas se encontram no próprio circuito da cultura, no circuito do professor.

Não dá para sair em defesa do professor dizendo que ele não é o demônio encarnado. Assim, como não dá para ir contra as colocações daqueles que vêem a Educação e os educadores como o mal.

O problema é mais profundo e diz respeito em como se tecem os fantasmas na cultura e na Educação.

Neste caso não se trata de demonstrar que as fantasias não existem, mas que estão a serviço de contextos específicos (transferenciais) que vão se instalando.
É importante, então, dialogar com as fantasias inconscientes para ver de que maneira o professor e a Educação tem sido demonizados.

Bacha assinala que o professor se encontra, como o analista, inserido no circuito sintomático do aluno.

Um processo que tem aparecido sob várias formas. Na década de 70 do século passado houve, na Saúde, a satanização da família. Os pais eram sempre culpados. Na cultura atual os professores e a Educação têm sido colocados neste mesmo lugar.

Da mesma forma como o feminino costuma aparecer como o mal. O feminino da voracidade de saber. O feminino que pode seduzir, levar o outro ao mau caminho.

Há um infantil que costuma ser questionado. Como se fosse possível superá-lo.

O feminino e o infantil sempre retornam revelando que há algo que escapa, algo que é impossível de ser apreendido.