/Por Teresa Genesini: Sinopse da Conferência de Jorge Forbes “A Compaixão”

(A conferência foi proferida em 22 de maio de 2004, no Espaço Cultural CPFL, e transmitida pela TV Cultura no programa Café Filosófico, no domingo, 3 de julho de 2005).

Rousseau definia compaixão como piedade pela tragédia do outro, pela infelicidade alheia. Houaiss, hoje, atribui-lhe o mesmo sentido, considerando-o o mais usual: define compaixão como sentimento piedoso pelo pesar do outro.

Embora compaixão seja um termo latino correspondente ao grego simpatia, percebe-se que ter compaixão não é ter simpatia. A compaixão se distingue porque está vinculada à dor e ao sofrimento. Ela tem efeito depressivo. Um sentimento que pressupõe a idéia de que “para tudo tem remédio”.

Jorge Forbes, psicanalista, pensa o contrário: “não há problema que uma falta de solução não resolva”. Se para tudo houvesse remédio, seria possível traduzir completamente a essência de cada um no outro, num remédio, numa bula que nos decifrasse perfeitamente, numa tecnologia. A posição psicanalítica é de que a vida não tem remédio.

A psicanálise não defende a compaixão, mas a antepõe à responsabilidade amorosa.

Lacan disse: “Desconfie das ciladas da compaixão, daquilo que nos impede de fazer mal ao outro…” Mostrava que o compadecido sente pelo outro para não ter que sentir em si. Com essa modalização, Jorge Forbes mostra como a cordialidade brasileira, captada por Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil, às vezes pode assumir um tom que não é apenas o da nossa alegre simpatia. Cita Nietzsche: “Vosso mau amor de vós mesmo vos faz do isolamento um cativeiro”.
Nietzsche e Lacan se contrapõem a Rousseau.

E a psicanálise faz notar como o homem obsessivo pode se manter no exercício de uma compaixão falsa, de um altruísmo falso, para aplacar a própria angústia. Angústia que ele tem pela presença nele mesmo de algo não especularizável, algo de si que não cabe na imagem esperada pelos outros: uma “pedra no meio do caminho” (Drummond). O obsessivo só se preocupa com a perfeição, não se arrisca, não se expõe, deixa o outro escolher. Deixa outra pessoa, muitas vezes a mulher, com a função de recobrir essa pedra no meio do caminho. É o papel da histérica, que em tantas ocasiões encontra seu lugar no mundo zelando, em compaixão, pela integridade da imagem do homem.

A compaixão está em oposição às emoções tônicas – perde-se força quando se compadece. A compaixão piora o padecimento que a vida já traz. A compaixão é contagiosa. A compaixão arma-se em favor dos desarmados e condenados da vida e pela multidão de malogrados de toda espécie que mantém firme o pavio – dá à vida mesma um aspecto sombrio e problemático.

E por que a compaixão é vista com mais seriedade que a simpatia? Porque temos tendência a dar mais peso e verdade à dor e ao xingamento que à alegria, à felicidade e ao elogio. Quem elogia é visto sempre como um bajulador; quem insulta é aplaudido – porque a angústia é tanta, o medo de não conseguir ser seduzido é tamanho, que é preferível ser insultado.

Se a simpatia não tem o mesmo poder da compaixão é porque a simpatia perdeu a ligação com a dor. O desbussolamento da globalização pode fazer crescerem as situações de compaixão.

Estamos em uma época em que a compaixão tende a ser valorizada como cimento do laço social, como uma virtude. Para isso, nós fixamos as pessoas num laço imaginário, retirando delas a possibilidade de se responsabilizarem pelo incompleto da vida.

Há, porém, outros caminhos preferíveis. Há uma ética mais próxima a todos nós, em que cada um dê uma resposta, que é a não solução, que é a responsabilidade da invenção.