/Psicanalistas foram ao congresso dos geneticistas

Teresa Genesini

 

O IPLA participou de um dos maiores eventos de ciências neuromusculares do mundo, organizado pela World Muscle Society nos Estados Unidos

O Instituto da Psicanálise Lacaniana – IPLA, em parceria com o Centro de Estudos do Genoma Humano – USP, na continuidade de trabalhos em congressos anteriores, apresentou um pôster sobre o impacto do tratamento psicanalítico em pacientes portadores de distrofia facio-escápulo-umeral, no 18º Congresso Internacional da World Muscle Society (WMS), na Califórnia, Estados Unidos, realizado entre os dias 1º a 5 de outubro de 2013. Cerca de 550 pessoas de vários países, selecionadas entre os maiores especialistas do mundo, participaram do evento, entre médicos neurologistas, neuropediatras, geneticistas e biologistas moleculares com foco clínico de pesquisa em doenças neuromusculares.

O Congresso Internacional do WMS é um evento que acontece anualmente para propiciar a divulgação das descobertas científicas na área neuromuscular. Esse encontro promove atividades únicas (não há mais de uma atividade por horário) que proporcionam grande interação entre os participantes, muitas discussões científicas e estabelecimento de parcerias em várias partes do mundo.

O Congresso abrangeu três grandes temas:

  • Miomatrix – o estudo da matriz extracelular que envolve as fibras musculares presentes em grande quantidade no músculo distrófico, que pode ter grande importância para o desenvolvimento de futuras terapias em distrofias musculares;
  • Sistema imunológico nas doenças do músculo – estudo de miopatias inflamatórias genéticas e adquiridas incluindo o papel das citocinas e quimocinas na modulação do sistema imune; e
  • Avanços nas terapias das doenças neuromusculares – trabalhos recentes em terapia celular e terapia gênica.

Também foram abordados os recentes achados de sequenciamento de nova geração em doenças musculares. Essa metodologia permite o estudo do genoma da pessoa com possibilidades de identificar a mutação causadora da doença, que não havia sido detectada por outros métodos, e propicia a identificação de novos genes responsáveis por doenças neuromusculares. Ainda, fornece uma gama gigantesca de informação sobre o genoma do indivíduo, com o auxílio de ferramentas da bioinformática. Como utilizar e transmitir essas informações atualmente foi a questão amplamente debatida no Congresso deste ano.

Além dos trabalhos apresentados em plenária, há um local específico para a apresentação dos posters. Diferentemente de outros congressos, os pôsteres têm um destaque importante nesse evento, porque todos os pesquisadores têm a oportunidade de discutir seus resultados com pessoas altamente qualificadas na área. Em todos os dias do congresso é reservado um horário para a discussão desses trabalhos.

Como única pesquisa em psicanálise, nosso pôster chamou a atenção do público. Esse trabalho faz parte da pesquisa “Desautorizando o sofrimento prêt-à-porter”, base da Clínica de Psicanálise do Centro do Genoma Humano-USP e IPLA, sob a coordenação de Mayana Zatz e Jorge Forbes, que é realizada com sucesso há sete anos. O efeito do diagnóstico, resultado do teste de DNA, fixa a pessoa numa posição de resignação e leva sua família a uma outra posição, a de compaixão. Temos, então, de um lado, a família com compaixão, e, de outro, a pessoa resignada. Desse fenômeno, extraímos a sigla RC (resignação e compaixão). É um vírus social que, aparentemente, cuidando da surpresa causada pelas novas identidades, provoca três pioras: do estado imediato do paciente, da progressão da doença e do estado da família. Pretendemos retirar o vírus RC do paciente e a isso denominamos “Desautorizar o sofrimento prêt-à-porter”, o sofrimento ‘pronto para vestir’. Ao fazê-lo, é exigida a responsabilidade de cada um sobre o encontro e a surpresa.

Apresentamos através de dois exemplos clínicos de Distrofia Facio-escápulo-umeral, como opera a Psicanálise no Centro de Estudos do Genoma Humano – USP. No primeiro caso, de um senhor de 45 anos, pai de três filhos, afetado pela distrofia, esse nunca havia contado à família que tinha uma alteração genética. Quando seu filho mais novo começou a mostrar sinais da doença, ele percebeu que não poderia continuar mantendo o segredo, mas não sabia como lidar com a situação. Após três meses de tratamento, não só revelou publicamente sua condição, como implantou um serviço de psicanálise na rede pública onde trabalhava. Em sua última entrevista declarou: “Pela primeira vez em minha vida eu tirei a camisa e experimentei o prazer de nadar no mar”. O segundo caso foi o de uma moça de 31 anos, que tem uma grave hipotonia, fraqueza muscular proximal, assimetria de membros superiores e atrofia; fraqueza facial (inabilidade para assoprar, sorrir e fechar os olhos), hiperlordose lombar severa, escápula alada e fraqueza proximal de membros inferiores. Após o tratamento psicanalítico, abandonou sua resignação rejeitando a compaixão alheia. A despeito de uma enorme e desconfortável deformidade física apostou no sonho de estudar e tornar-se professora. Atualmente está estagiando e terminando sua formação. Ambos os pacientes perderam a vergonha de seu corpo e encontraram uma forma de lidar com a própria sexualidade.

Frente às questões problematizadas no congresso, mostramos como a psicanálise colabora com o tratamento dos pacientes portadores de distrofia e seus familiares. Em futuro próximo, as questões surgidas a partir do impacto dos resultados do sequenciamento do genoma, prática cada vez mais comum nos dias atuais, demandarão um novo posicionamento ético e, certamente, a psicanálise desempenhará um papel importante.