por Jorge Forbes
A epidemia de febre atual de controlar, codificar, normatizar todos os aspectos da vida das pessoas ameaça, agora, a clínica dos psicólogos. O Estado de São Paulo do sábado, 11 de setembro – significativa data –, publica, em matéria de capa, a intenção do Conselho Federal de Psicologia de orientar seus filiados a denunciar pacientes suspeitos de violarem os direitos da criança, do adolescente e do idoso, bem como aqueles que apresentarem sinais de ameaça à integridade física ou psicológica.
Um dos proponentes dessa nova ética declara ser “função do psicólogo diferenciar fantasia de fatos” (sic). Acrescenta, possivelmente querendo acalmar a população, que “se o psicólogo fizer denúncias falsas, responderá por isso no conselho… …e ele também responderá por omissões” (re-sic). Em suma, a coisa é clara: o conselho de psicologia se quer garantidor da verdade dos fatos e se auto-outorga poder de polícia, de julgamento e de execução das penas. Excusez du peu, como dizem os bretões. Mas o assunto é grave demais para nos restringirmos a seu aspecto de pretensão: bela fantasia, fazer-se juiz da diferença entre realidade e fantasia.
Esse fenômeno regulamentador vem em seqüência lógica a tentativas desse mesmo grupo de pessoas de codificar em protocolos padronizados os atendimentos clínicos, guiados por uma vontade, entre outras, de responder aos propósitos dos seguros de saúde.
Seria cômico, se não fosse trágico, o efeito que essas medidas, que tentam impor no Brasil, já demonstram nos Estados Unidos, onde esse assunto é velho. Houve quem colecionasse inúmeros exemplos – preenchendo mais de trezentas páginas de um livro – de mães, pais, tios e avós presos, após pacientes em terapia relatarem maus tratos na infância.
Parece piada, mas não é. Lembremos do ocorrido na Escola de Base. O recente filme de Spielberg, “Minority Report”, baseado em ficção de Philip K. Dick, mostra uma sociedade, em 2054, que para proteger seus cidadãos do risco de ameaças, prende os suspeitos preventivamente, baseado em relatórios psicológicos. Isto ocorre até o dia em que o próprio diretor do serviço é acusado e deverá ser preso. Só então ele entende que o preço da liberdade não é a eterna vigilância, como tinham lhe contado. Esse princípio já foi tentado na primeira metade do século passado, para a vergonha da raça humana.
Freud dizia haver certas coisas que entendemos antes, outras durante, e outras só depois, e que a psicanálise deveria colaborar para diminuir sofrimentos, estendendo o mais possível o tempo anterior. Nesse caso – do filme – antes que o diretor do Comando de Caça às Consciências (CCC) seja, ele mesmo, denunciado e preso.
Ah, Robespierre!