Jorge Forbes
Artigo publicado na revista WELCOME Congonhas, novembro de 2008 – ano 2 – número 20
Passamos a viver em um mundo sem limites naturais. Ontem, tínhamos mais vontades que possibilidades; hoje, invertemos essa lógica, podemos mais do que conseguimos querer, ou absorver. E isso em todos os domínios. Por exemplo, na indústria, novos produtos são lançados independentemente da necessidade do mercado, mas, sim, pela necessidade da própria produção, tais como os telefones celulares e as máquinas fotográficas. Novos medicamentos não buscam mais a cura, mas a melhoria do normal; é a medicina cosmética que vai do banal botox ao último tipo de respirador artificial, paradoxal promessa, muitas vezes, de um sofrimento prolongado. Quem não podia ter filhos, agora pode; quem não andava, agora corre; o coração que não batia foi trocado e agora bate. Pela primeira vez na história da civilização o homem pode realmente acabar com a vida na Terra; não se trata mais de uma ameaça inconseqüente.
Nesse mundo tecnológico, onde muitos enxergavam o final da subjetividade que seria deslocada pelo império das máquinas, o que ocorre é exatamente o contrário: um novo tipo de responsabilidade se impõe. Uma responsabilidade ainda mais baseada em critérios subjetivos que antes, uma vez que não pode se sustentar nos limites dos fatos, pois os fatos vão além dos limites. Não cabe mais a expressão constrita e aliviadora de um médico, à cabeceira de um doente, retirando o estetoscópio do ouvido e dizendo: “Fizemos tudo o que estava ao nosso alcance”. Sabemos que, nesse novo tempo de impensado avanço tecnológico, há sempre mais a fazer, daí estar nas mãos de cada um a responsabilidade pelo limite.
O difícil é exatamente essa responsabilidade pessoal pelo limite, tanto mais que viemos de uma vivência recente onde tudo se explicava pelas estatísticas e pelos exames. Na medicina os exemplos são mais facilmente perceptíveis. Você ia a um médico – ainda é assim –, ele lhe examinava, mas não dizia nada antes de ver os resultados de uma longa lista de exames laboratoriais e de imagens. Quando tudo estava pronto, ele lhe dizia: “Os seus exames mostram que…” O curioso, é que se você fosse ao médico da sala ao lado, os mesmos exames poderiam “mostrar” algo muito diferente, o que levava a muitos a terem ao menos três médicos, um terceiro para desempatar essa medicina de votação. Ora, ora, ora, o que começa a ficar claro é que se não quisermos fabricar atletas com Alzheimer e outros sofrimentos, temos que saber que os exames não mostram por si nada, eles sempre são interpretados, e não cabe se irresponsabilizar nessa interpretação. Curiosamente, a tão valorizada medicina baseada em evidências só aumenta o comprometimento da pessoa do médico, mesmo quando ele não o queira.
É de uma nova ética que precisamos todos nessa época do homem desbussolado da globalização, uma ética não mais baseada no princípio divino das coisas, ou no princípio racional, que o substituiu, mas uma ética que poderíamos chamar, com Hans Jonas, de uma ética do Princípio Responsabilidade.