Entrevista do psiquiatra Márlio Vilela Nunes ao site do Projeto Análise sobre o XXII Congresso Brasileiro de Psiquiatria, recentemente realizado na Bahia, entre 13 e 16 de outubro de 2004.
O maior congresso já organizado pela Associação Brasileira de Psiquiatria contou com um número recorde de inscritos, quase 4.500. Foi grande a presença dos jovens: residentes e psiquiatras recém-formados talvez fossem a maioria, diz Márlio Nunes, 32 anos, doutorando pela Escola Paulista de Medicina. Para ele, o aumento da freqüência no Congresso indica, antes de tudo, uma busca pelos psiquiatras de recursos para responder à clínica que, apesar das promessas da tecnologia, não tem recebido efetivas novidades.
Expectativa e Frustação
Penso que as pessoas buscam no Congresso algo que as ajude no dia-a-dia, que oriente um pouco a prática, e saem decepcionadas. Ouvi muito esse comentário. A pessoa vai atrás de informação, de algo que organize, oriente a sua clínica, e não encontra. Há promessas, mas não algo efetivo.
Havia certos parâmetros, certos modelos que organizaram a clínica psiquiátrica e, hoje, foram abandonados em nome da expectativa de que, através de um modelo biológico, a organização viesse. Os DSMs e as nosologias recentes deveriam pautar a pesquisa que o embasaria. Só que o modelo novo para a psiquiatria não veio.
Então, o psiquiatra vai ao Congresso e só encontra promessas renovadas: “não foi agora, mas talvez daqui um tempo”, “estamos desenvolvendo”, “estamos estudando”, “está surgindo isso e aquilo”, “quem sabe da próxima vez”. Isso tem gerado uma frustração, porque a demanda da clínica continua: “o que eu faço com o meu paciente que está desse jeito, que está com isto e aquilo?”
Além disso, imagina-se que essa psiquiatria da moda “baseada em evidências” possa oferecer parâmetros para o clínico tomar decisões, mas isso não acontece. As evidências de que se falam em medicina são sempre gerais, estatísticas que não respondem pelo caso particular psiquiátrico, como o Professor Carol Sonenreich havia destacado nas “Exposições Clínicas”, seminário de Jorge Forbes, no primeiro semestre de 2004.
Enfim, os colegas estão à cata de receita de bolo e alguém devia comunicar que temos que abandonar esta estratégia culinária.
Laboratórios e Farmacologia
A participação dos laboratórios farmacêuticos foi muito grande. São os principais patrocinadores do congresso e o movimentam, nos stands e nos bailes: todo o burburinho é gerado por eles. Organizam alguns dos simpósios e também são os responsáveis por boa parte da decepção das expectativas, porque tem sido muito repetitiva a sua participação: a farmacologia não tem, nos últimos anos, realmente, trazido tratamentos que representem um avanço significativo. É como fizessem salões de automóvel, sempre com os mesmos modelos. Além disso, houve um retorno a tratamentos anteriores, aos fusquinhas, porque se descobriu, nos medicamentos recentes, problemas específicos em relação a sua segurança.
Tecnologia e Neuro-imagens Estiveram Lá?
Sim, enquanto promessas. O estudo de neuro-imagens não concretizou respostas. Promete-se que, através deles, vá se diagnosticar, conhecer e distinguir melhor os transtornos psiquiátricos, mas até agora isso não veio, ou nada que seja útil ao dia-a-dia do psiquiatra. É mais uma promessa que ficou para o santo.
O Trabalho Acadêmico
Não há desenvolvimento teórico, na verdade. As pessoas ficam esperando que as pesquisas ofereçam algum modelo teórico, mas não arriscam sequer a considerar o que já se tem descoberto, o que se pode dizer a partir das pesquisas biológicas feitas, para propor alguma teoria. Poucos tentam. Os acadêmicos ficam restritos aos dados existentes. Ousadia zero.
As pessoas têm buscado na psiquiatria hoje, mais que antes, um bem-estar, digamos assim, psíquico. Isso foi considerado no Congresso?
Não. A grande orientadora é a visão biológica, darwiniana. Para este psiquiatra, os sintomas são fenômenos mais biológicos que, culturais. Então, ele reconhece sintomas altamente prevalentes que têm sido sub-diagnosticados(sic) ou desconhecidos na sociedade, e entende que seria preciso diagnosticar melhor, mais, e conhecer melhor os transtornos, porque eles já existem na natureza – para serem revelados pelo trabalho dos médicos. É a ideologia de ver mais, do saber mais, do eterno progresso.
O Jovem Psiquiatra
Eu acho que ele está incomodado, por ter uma demanda na clínica que não está sendo suprida pelas pesquisas da medicina baseada em evidências. Vejo as pessoas buscarem um remédio que nunca vem. Esse incômodo, espero, vai gerar a demanda de algo novo, porque a clínica continua.
Os psiquiatras têm dúvidas do que fazer no cotidiano da clínica. Prometeram para ele que os remédios iriam ‘segurar’, que ele responderia à demanda da clínica só com remédio, e agora ele está percebendo que não consegue. Os jovens estão partindo para as psicoterapias, então, mas elas também não mostram uma base segura: são muito variadas, cada hora se vê um tipo, uma técnica diferente, e há uma discriminação entre técnicas que ele fica tentando captar sem muito sucesso, porque falta-lhe a formação, que hoje é, basicamente, farmacológica.
Você Vê a Tendência a Uma Re-elaboração?
Sim, é o momento para isso, porque mesmo no mais importante congresso de psiquiatria do mundo, da Associação Psiquiátrica Americana, em Nova Iorque, em maio deste ano, a sensação era forte: não se vislumbra mais tão facilmente como o modelo biológico possa dar conta da clínica psiquiátrica.
A sensação lá – me pareceu maior que aqui no Brasil – inclusive porque é de lá que saem a maioria das pesquisas.
O que o momento atual exige de todos os psiquiatras, independentemente de sua orientação, de seu embasamento teórico, é criatividade, sem ela, nada feito, só mais um Congresso.