Jorge Forbes
Amor adolescente. Este é o tema que a comissão científica, a quem agradeço, nos convidou a apresentar, nesta primeira reunião plenária do XXI Encontro Brasileiro do Campo Freudiano.
Amor adolescente – interessante – não amor do adolescente, nem amor na adolescência, o que seriam outros temas possíveis. Ao se dizer “amor adolescente”, qualificamos o amor e abrimos possibilidades de comparação. As mais imediatas são com o amor infantil e com o amor adulto, dada a clássica tripartição: criança, adolescente, adulto.
O amor infantil é baseado na extrema dependência ao Outro, a um Outro provedor, no qual a pessoa se vê emborcada, pois as fronteiras subjetivas estão esvanecidas. O amor adulto, pelo avesso, é o amor regrado, estável, burocrático, metódico, cantado por Rita Lee em Panis et Circenses, como aquele das pessoas da sala de jantar ocupadas em nascer ou morrer.
E o amor adolescente, como situá-lo? Entre várias, destaco uma característica comezinha: o amor adolescente é sem sobrenome. Os pais perguntam aos filhos: -“ Quem é essa Maria, Maria do que?”, -“José, José do que?”. E os filhos contestam: -“Maria é Maria, José é José”. Eles não sabem o sobrenome, isso quando não sabem nem o nome, quando a Mika é a Mika, e o Petit é o Petit. O amor adolescente ao desprezar o sobrenome, despreza a origem, a tradição, relevando o presente. E se lhes for indagado o que pretendem com a Maria ou com o José, a resposta poderá ser vista como igualmente evasiva: -“Sei não, tô vendo”. O amor adolescente, nesse aspecto teria algo dos estóicos, para quem o passado e o futuro são paixões tristes, dado que o passado, a nostalgia, se refere ao que foi bom; enquanto o futuro, a esperança, se refere ao que será bom. Os dois, passado e futuro, toldam o presente que fica assim como puro ponto de passagem. Não, para o amor adolescente o passado não é mais, e o futuro não é ainda.
Com o presente sendo privilegiado sobre o passado e o futuro, o amor adolescente é um bom exemplo de um amor sem intermediação dos nomes do pai: nem a tradição do passado, nem a segurança do futuro. Um novo amor, como esboçou Jacques Lacan. Esse novo amor, no curto-circuito do Outro, não se explica por nenhuma razão além da presença e do presente. Esse novo amor corresponderia ao título de Mário de Andrade: “Amar, verbo intransitivo”. Provavelmente – essa é uma hipótese que venho perseguindo – depois do pai, o novo amor se constitui como uma nova transcendência para o mundo pós-moderno, por conseguinte, para a psicanálise do século XXI.
Aprendi muito sobre esse amor sem explicação, ou seja, sem razão, observando um dos mais importantes fenômenos de massa dos jovens: a música eletrônica. Diferentemente das expressões musicais que a precederam, a música eletrônica não tem significados, por conseguinte, não se canta junto. É uma música sem letra e seus estilos se diferenciam pelo número de batidas por minuto. Nostálgicos, por causa disso, a apelidaram maldosamente de bate-estacas. No entanto, essa bate-estacas consegue juntar massas de um a dois milhões de pessoas em techno-parades, público impensável até então. E essas pessoas estão juntas sem se compreenderem, o que é notável. Teriam aberto as portas do Sanatório Geral, do Chico? Não, mas que nada, responderia Ben Jor. O que aí se demonstra é que para estar junto não é necessário se compreender. Por que a surpresa? Afinal as mais importantes coisas da vida não se compreendem, a começar pela declaração: – Eu te amo. Estamos, é o que se deduz, na época dos monólogos articulados, do ressoar, como se referiu Lacan.
Nesta época, desse amor adolescente que parece que não vai passar, ao contrário, pois da forma como o estamos pensando ele é próprio ao mundo desbussolado; nesta época o binômio “Invenção e Responsabilidade” é fundamental. Quando tínhamos um amor mediado pelo pai, o que analisávamos era as diferentes posturas conscientes e inconscientes frente à disciplina paterna, a ordem do pai. A psicopatologia estrutural freudiana: neurose, perversão, psicose, cujo uso em Lacan chamamos de primeira clínica, tem esse embasamento. Já na segunda clínica, além do édipo e além do pai, frente à opacidade “sinthomal” que não se explica, nem se justifica, aí é fundamental inventar uma resposta e se responsabilizar por ela no mundo, donde proponho: “Invenção e Responsabilidade”, como base da clínica atual. Se ontem o analista se emprestava à cadeia significante, hoje ele empresta consequência, em um ato analítico cirúrgico. Nas palavras de Lacan, em seu seminário Momento de Concluir, em 1978: Élever la psychanalyse à la dignité de la chirurgie, par exemple, c’est ce qui serait bien souhaitable (Elevar a psicanálise à dignidade da cirurgia, por exemplo, é o que seria bem desejável).
Ainda um detalhe, de certa importância, do novo amor. Será que nos dias atuais, nos quais o futuro não é ser adulto, mais um contínuo adolescer, a tripartição do amor entre Eros, Filia e Ágape se manterá? Tomemos a diferença entre Eros e Filia. Eles funcionam em sistemas libidinais muito diferentes. Enquanto Eros funciona por acúmulo e satisfação, o que daria uma representação gráfica semelhante a uma cadeia de montanhas; Filia, a amizade, funciona em um contínuo estável, tal como retomamos a conversa com um amigo no ponto em que a deixamos três anos atrás, o que daria uma representação gráfica horizontal, como uma planície. Diz o jargão “casou virou parente”, quando o regime da Filia se sobrepõe ao regime de Eros.
Podemos supor que o novo amor, ao se estabelecer na responsabilidade do encontro e da surpresa, e não na justificativa da ordem paterna, consiga dar nova articulação a Eros e a Filia, um não excluindo o outro, fazendo com que embora não seja imortal, posto que é chama, o amor cumpra o anseio do poeta, e seja infinito enquanto dure.
São Paulo, 25 de novembro de 2016
Trabalho apresentado no XXI Encontro Brasileiro do Campo Freudiano – novembro de 2016