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Confira a entrevista
cativante e descontraída com o psiquiatra e psicanalista precursor do ensino de
Jacques Lacan no Brasil

Jorge Forbes nasceu em
Santos, uma ilha de vida própria, marcada pelo mar e pelo contato com o estrangeiro, que se destacava por ser o maior porto da América Latina e palco
das artes musicais, cênicas e da literatura. Um verdadeiro berço dos artistas
brasileiros. Sua vida foi muito marcada pela inspiração santista e, também,
pelo Rio de Janeiro, a Bossa Nova e a MPB. Fruto de uma família de
intelectuais, sem dúvida alguma sua vivência influenciou as escolhas no futuro.
Seu pai era santista e médico neurologista, um autêntico erudito, obcecado por livros e amante ciência pelo
meu pai gerou um psicanalista. O psicanalista vive nessa fronteira entre a
ciência, com o cuidar do outro, que é o ato semelhante ao médico, e a
representação do teatro da vida de uma pessoa. 
Essas duas correntes se juntaram em mim e foram minhas principais
influências para ser psicanalista”, discorre Forbes. A escolha foi concretizada
e o caminho de sucesso começou a ser traçado com muito amor. Forbes tem um dom,
é um intérprete dos conflitos humanos e um curioso inveterado. Confira a 
história fascinante e os devaneios mais profundos do gênio da
psicanálise brasileira:

 

Início da carreira

Como surgiu a ideia de se tornar um
médico psicanalista?

Eu sempre tive uma profunda curiosidade
pelo ser humano, sempre fiquei fascinado com as pessoas e suas variedades.
Sempre me questionei sobre como é que somos tão parecidos uns com os outros e,
ao mesmo tempo, tão diferentes; como é que pessoas tão diferentes convivem; por
qual motivo as vacas, os macacos, os cavalos são todas iguais, mas nós não.
Falamos e nunca nos entendemos, mesmo assim continuamos falando. As
contradições do ser humano, a criatividade, a dor e todas as características do
bicho homem sempre me fascinaram. Aos 13 anos eu li sobre isso. Era muito jovem
e fiquei fascinado com a vida de Freud e com as perguntas que fizeram com que
ele inventasse a psicanálise. Desde pequeno era isso que eu queria ser e essa
certeza me levou à medicina, na qual tive bons e maus professores. Quase
desisti. Iniciei gastroenterologia, que me mostrou a incidência imensa das
doenças gástricas a partir da cabeça. Com isso, voltei à psiquiatria. Então,
formei-me em medicina, especializei-me em psiquiatria e, ao mesmo tempo, em
psicanálise.

Como foi o início de sua carreira? Fale
a respeito.

Eu fiz a faculdade de medicina em Santos e
concluí o sexto ano em São Paulo. Quando finalizei o curso, decidi pela
psiquiatria e procurei meu antigo professor, Carol Sonnenreich (para mim, um
dos maiores psiquiatras que o Brasil já teve). Fiz três anos de estágio no
Hospital do Servidor Público Estadual 
e, simultaneamente, continuava com minha
formação psicanalista. Comecei a fazer meus seminários de Melanie Klein e
estudos de psicanálise com analistas dessa sociedade, porém, não concordava com
um aspecto nessa corrente, que baseava o tratamento na contratransferência
(achar que um sentimento do analista pode ser a verdade do paciente). Então,
abandonei meus estudos e a carreira que eu tinha escolhido. Fiquei triste com
estas decisões. Até que um amigo psicanalista me falou sobre Jacques Lacan e sua
visão contrária à contratransferência. Foi a minha janela para insistir na
psicanálise. Na época, 1974, eu tinha 23 anos e ninguém no Brasil sabia quem
era Lacan. Então, fui a Paris buscar informação e seguir os seminários de
Lacan, que, hoje, representa a psicanálise majoritária.

 Psicanálise empresarial

Qual a relação que as empresas devem
ter com o divã? Argumente sobre a importância dessa prática.

Total. Não são apenas as pessoas que estão
de cabeça para baixo, as empresas também estão. Uma empresa hoje em dia tem que
ser uma produtora, uma editora de cultura, senão está fadada a morrer. A
psicanálise é a disciplina mais avançada que nós temos para refletir a
pós-modernidade no ambiente social. Portanto, o que as empresas têm a ver com o
divã e a psicanálise? Tudo! Elas têm que correr e antes que morram devem chamar
um psicanalista.

Psicanálise e suas vertentes

Trabalhar com psicanálise é um desafio?

É um desafio diário, porque na psicanálise
é quase uma lei ver cada caso como se fosse novo. É diferente do trabalho
médico. O psicanalista tem sempre que ver. Não existe piloto automático para
ele.

Qual é a importância da interpretação
para a psicanálise? Como você interpreta e a partir do quê?

A interpretação é um dos instrumentos do
psicanalista. Ela se dá sempre a partir do relato da pessoa, que fala
livremente tudo o que lhe vem à cabeça, sem uma tentativa de elencar coisas
mais importantes ou menos importantes. Quando uma pessoa nos conta tudo o que
lhe vem à cabeça, ela nos mostra a matriz da forma que ela significa o mundo. A
partir disto, o psicanalista capta, por meio das coisas faladas pelo paciente –
e também por meio da entonação, da musicalidade, do ritmo, do tropeço, entre
outros fatores –, sua identidade psíquica, pela qual ele vê o mundo. Então, o
psicanalista mostra isso ao paciente para poder perguntar se ele quer continuar
utilizando essa marca ou quer mudar.

Ao que atribui o fato de ter se tornado
uma das maiores referências nacionais em psicanálise?

Não questionando a veracidade do que você
está dizendo, mas eu me entendo da seguinte maneira: tive uma formação muito
boa e uma atividade institucional muito grande. Criei, junto de outras pessoas
no Brasil, o Campo Freudiano e a Escola Brasileira de Psicanálise; escrevi
livros, teses e artigos; formei muitos psicanalistas; fui professor na USP;
criei e dirijo a Clínica de Psicanálise do Centro de Estudos de Genoma Humano
da USP. Além disto, sempre me preocupei em falar claramente; impus a mim quase
que uma obrigação de mostrar que as pessoas podem entender Freud e Lacan. Nunca
me recusei a uma presença na imprensa, pois isto é uma função necessária para o
psicanalista formador de opinião. Sempre colaborei com a grande imprensa
brasileira, já tive coluna fixa em alguns jornais, além de programas de rádio.
Também sou curador do Café Filosófico da TV Cultura e sempre achei 
fundamental a presença do psicanalista na
praça pública.

Conquistas

Você se sente um homem de sucesso? Está
realizado?

Eu realmente adoro o que eu faço. Eu não
sei se sou um homem de sucesso, mas sou um homem de sorte, porque trabalho com
o que eu adoro, seja no consultório, na imprensa ou na empresa. A psicanálise
me faz descobrir muitas coisas diariamente e estar em contato com a coisa que
eu mais gosto no ser humano 
todos os dias. Eu não me canso de
trabalhar. O meu trabalho não é para eu ganhar dinheiro e depois 
usá-lo fora daqui, aonde eu vou ser feliz.
Férias para mim são raríssimas, porém eu não necessito muito do tempo de
férias, do tempo de fazer algo diferente que vai me aliviar, pois eu adoro o
que eu faço. Se sucesso quer dizer um embate com aquilo que sede, ou se ainda
significa encontrar algo novo, eu acho que eu me preparo para algo novo todos
os dias.

Quais as principais lições aprendidas
com a psicanálise?
A grande lição é que de perto ninguém é
normal.

Qual é a principal mensagem sobre
psicanálise que você deseja passar à sociedade?

Eu acho que talvez a psicanálise seja a
mais humana das disciplinas, porque ela une teoria e prática. 
Ela não só fala como a psicologia, por
exemplo, mas age sobre o ser humano, fazendo a clínica do homem, possibilitando
a ele se deparar com o mais essencial e característico da vida humana.

Os dilemas do mundo ainda cabem no
divã?

Acredito que, mais do que nunca,
recentemente, vimos que havia uma esperança de que a ciência, 
principalmente a biologia, fosse resolver
todas as questões do ser humano. Porém, os avanços da ciência, contrariamente
ao que se esperava, só trouxeram mais dúvidas sobre o ser humano. Como uma
pessoa pode se situar nessa época? Há um campo imenso da psicanálise nesse
momento, mas uma 
psicanálise renovada, a psicanálise para o
século XXI, para o homem pós-moderno, que aposta, que exige a responsabilidade frente
às suas opções. Uma psicanálise para o homem e para as empresas.

Sociedade líquida

O que o momento pós-moderno ocasiona na
sociedade?

Esse momento pós-modernidade é um instante
em que as pessoas se juntam sem se compreender. É um fenômeno! Existe uma nova
organização que vem de um novo tipo de amor, que não se explica, mas que
funciona no curto-circuito da palavra.

A corrupção pode estar ligada à cultura
de um país? Como a psicanálise analisa essa questão?

A lei não consegue legislar sobre todo
universo da experiência humana. O homem age independente da lei, mas não está
agindo contra a lei, todavia está agindo em um lugar onde não funciona a
legislação. Agora, o ser humano tem a lei e formas de burlá-la. O brasileiro é
uma pessoa que tem a característica de desconfiar, como aspecto supremo da
organização social; ele é afetivo, muito criativo, e ousa mais do 
que outros povos. Por exemplo, ninguém
avisou para Santos Dummont que o homem não podia voar. Somos criativos, porém,
com previnitência, com problemas seríssimos. O brasileiro sobrevive de uma maneira
feliz, que é uma coisa inacreditável para outros povos. Como é possível ser
feliz vivendo, por exemplo, em uma favela? Por outro lado, essa flexibilidade
com o império da lei faz também com que 
o brasileiro a desrespeite e a burle. Nós
estamos em um momento em que isso está escancarado. Então, espero que o
brasileiro sofra um choque civilizatório e baixe o nível de corrupção selvagem
e escandalosa e construa um país mais civilizado.

Entrevista para o Jornal Luxor – Piracicaba, maio 2015

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