Jorge Forbes
Imitar ou criticar? Por muito tempo a relação com um pai se restringia a essas duas possibilidades. O pai, até bem recentemente, era tido como uma das principais referências em uma sociedade vertical, marcada por padrões estáveis orientadores. Tínhamos o pai na família, o chefe na empresa, o presidente no país. Essas figuras marcavam o caminho que era seguido ou contestado.
Se uma pessoa tinha um pai muito forte, importante, conhecido, havia quem pensasse o quão duro seria para o filho que podia se sentir pequeno demais, frente a uma barreira muito alta a ser suplantada. Por outro lado, se ocorresse o contrário, se o pai fosse do tipo anônimo e genérico, aí o filho poderia sofrer de culpa, uma vez que bastaria dar um passo para ir além do pai. O primeiro caso era dado como explicação a filhos inibidos, o segundo, a filhos exibidos, analisando superficialmente.
E hoje? A pós-modernidade ao deslocar os padrões verticais da sociedade, ao horizontalizar o laço social, criando a conhecida sociedade em rede, exige uma nova figura de pai, distinta dessa que nos habituamos a conhecer, descrita acima. O pai passa da posição de representar um ideal, um padrão, para a de garantidor da flexibilidade da referência. Um filho tem que encontrar em um pai alguém que lhe garanta a legitimidade da invenção de sua forma de viver. Se uma mãe autoriza a invenção, o pai a legitima. São os dois movimentos necessários para viver na época atual da globalização: invenção e responsabilidade. Inventar uma forma singular de ocupar o seu lugar na vida, uma vez que nada está dado a priori, e ter a coragem de expor essa singularidade, inscrevê-la no mundo se responsabilizando por ela. É o movimento de qualquer artista: Chico escuta uma banda que é só dele e consegue nos convencer da forma que ele a escuta. Jorge Amado faz o mesmo com a Bahia. Impossível ver a Bahia sem os óculos do escritor que transforma cada gingado de uma morena em Gabriela. Não nos exijamos o talento dos artistas, mas sim a coragem desse duplo movimento: inventar e responsabilizar.
Uma mãe autoriza a invenção, desde nossos primeiros balbucios, um pai legitima a sua existência, ou seja, o por fora de si. É o que está na raiz da palavra existir, composta de “ex”, fora, com “sito”, local: ex-sistir quer dizer “colocar fora”. Um detalhe para ser aprofundado em outro artigo: mãe e pai são funções por vezes coincidentes com as pessoas biológicas, mas não necessariamente, para a sorte de todos nós, se não os órfãos estariam fortemente prejudicados.
A partir desse admirável novo pai, admirável por sua novidade, mais que pela sua grandeza, é pouco esclarecedor continuarmos a nos fiar nas análises maniqueístas de pai forte, pai fraco; filho identificado, filho rebelde.
Pai é quem tem um sentimento sagrado por um filho. Sagrado vem de sacrifício. Pai é quem tem um amor radical – sem explicação – e que pode morrer por um filho. É esse ponto de amor radical que é detectado pelo filho e sobre o qual ele se apoia na invenção singular de sua vida. Um filho sabe que ali ele conta, que dali ele pode contar sua vida, dar-se à existência. Não nos surpreendamos que pais e filhos possam trabalhar melhor juntos agora que no passado. Fora do eixo imaginário da dominação, pais e filhos convivem bem como nunca nesse amor radical que possibilita expressões distintas, diversas e divertidas, com a marca de uma mesma família. Não faltam exemplos: Coppolas, Veríssimos, Holandas, Douglas, Cravos e, seguramente, muitos mais.
(artigo publicado na revista LOLA – setembro 2011)