Jorge Forbes
Artigo publicado na Revista TRIP 163, fevereiro 2008
Não se fazem mais rebeldes como antigamente. Acabaram os James Deans, os Jimi Hendrix, os Jacarés; as passeatas, as pichações dos muros, as palavras de ordem, as cartilhas do desalienado, os códigos secretos de nome e lugar. Não se sobe mais a Rua Augusta a 120 por hora, mesmo porque seria lento. E por que esse mundo não existe mais é que deixa tanta saudade; uma saudade orgulhosa de quem participou da famosa geração 68.
Ontem, era possível ser rebelde. Vivia-se uma época padronizada do ‘deve ser’. Para tudo havia um manual, uma bula que definia o bom procedimento. Como ter filho, como educar, como casar – com quem, com quantos anos -, como escolher uma profissão – desde que fosse médico, advogado ou engenheiro – como se aposentar, como morrer. Na família imperava o pai; no trabalho, o chefe; na sociedade, a pátria. A essa forma de organização do laço social, em torno a símbolos maiores e aglutinadores, dá-se o nome de organização vertical. A identidade se estruturava verticalmente. Nesse contexto, o caminho da rebeldia estava traçado: contestar os padrões estabelecidos. Daí surgia a sensação de liberdade com o seu riso tenso, sim, tenso, porque se sabia que o que referendava essa liberdade era a morte e ela muitas vezes ocorria. Ameaçava-se com a morte, de variados tipos, dos simbólicos ao real, a quem não obedecesse aos padrões; então, por dedução, morrer era o atestado maior por não ter obedecido aos temidos padrões. A morte era o troféu do rebelde, onde, finalmente, transformava-se em herói. Seu caixão era levado em procissão pela turma. Seus feitos transformados em memória gloriosa e, paradoxalmente, em novos padrões para falsos rebeldes, amantes da contestação pasteurizada, sem risco, que passavam a se vestir como, andar como, dirigir como, falar como o seu herói.
Hoje não é possível ser rebelde. Rebelde a quê? Não há mais um consenso coletivo contra o que lutar, não há grandes grupos fechados em uma bandeira comum, mas pequenas, porosas e flexíveis tribos. Não se pede coerência, acabou o “O que é isso companheiro?”, o tempo é da mistura, do ‘mundo mix’. Se antes a responsabilidade era coletiva frente a uma escolha comum, agora ela é subjetiva, cada um é responsável por suas diferentes escolhas. O lugar da morte também não é mais o mesmo. De ponto final que consagrava uma carreira, ela passa a ponto de partida. Logo, está afastada a morte real, só valem seus representantes alusivos. Os mais conhecidos são os esportes radicais, do tipo: na terra, escalar, no ar, paraglider, no mar, kitesurf. O sucesso desses esportes vem da necessidade não de ir além do limite, como fazia o rebelde, mas, ao contrário, de estabelecer um limite, de saber onde está a morte e de como lidar com ela. Esse verdadeiro exercício cria pontos de ancoragem, raízes, por isso, radicais. É enganoso pensar que a mocidade de hoje é inferior à de ontem. Que hoje, por não haver grandes mobilizações nas ruas, ou inflamados discursos em palanques improvisados, estariam todos perigosamente desinteressados. Esse julgamento vem de velhos conceitos. O mais interessante é descobrirmos as novas formas de organização do amor, ou seja, no acadêmico, do laço social, do “estar ligado”.
Os laços sociais passaram de verticais a horizontais. Porque não há mais padrões universais, falamos em sociedade de rede. E também, pela mesma razão, vivemos um renascimento cultural. A cultura se renova quando há necessidade de se reinventar o mundo; é o nosso caso. Que tal em vez de acharmos que os jovens estão perdidos por não se juntarem contra os governos corruptos – para dar um exemplo do que antes mobilizaria muitos – vermos que eles estão apontando para outros lugares e formas de governo; não nas capitais inventadas para isso, nem nas mãos de fantoches decadentes e obscenos. Não se muda mais a vida com grandes exemplos, ou grandes prisões, mas com detalhes; motivo de falarmos em epidemia. Para o bem e para o mal, as epidemias são transformadoras, em sua capacidade de tocar a cada um de um jeito. Se os jovens não dialogam mais, eles monologam; eles inventaram a capacidade de articular os monólogos – “monólogos articulados” – a causar arrepios nos iluministas. Um claro exemplo é a música eletrônica, não tem palavras, não tem um só sentido, mas faz muita gente estar ligada. O sonho acabou, viva o novo sonho!